DESTINO
Qual será o meu destino?
Lutas me oprimem,
O arco se retesa contra mim
Para trucidar-me nas mãos de um assassino.
Qual será o meu destino?
Caí,
Fiquei prostrado,
Cego de areia
Como um beduíno.
Qual será o meu destino?
Exaspero-me,
Ouço intrigas,
Invade-me um furor leonino.
Preciso confiar,
Esperar
Naquele que atuará
Sobre meu destino,
Naquele que fará surgir minha justiça
Como um sol cristalino.
DEVOÇÃO
Desejei aniquilar-me
Como uma vela acesa,
Oferenda votiva
Que se queima
Até o pavio,
Consumindo a cera do pires
Sobre a mesa.
Desejei derramar-me
Como vinho
Entornado do copo,
Como água
Que empapa a terra,
Como libação atirada
Por um louco adivinho.
Desejei ser segregada,
Separada da lei
E das promessas
Por amor dos meus filhos,
Sacrificar-me como uma ovelha
Por sua conversão.
Diante de tanta incredulidade,
Entristeço,
Dói meu coração,
Desejo de esvair-me até o osso
Na chama dessa devoção.
EQUILÍBRIO
Preciso de descanso,
Descanso da dor,
Do trabalho
De viver à espera de inspiração,
De mais um tema,
De mais uma página,
De mais um livro que lanço.
Preciso de descanso
Que é quase inexistência,
Em Ti me refugio
E mesmo de noite
A consciência
Me ensina
E a ela me alianço.
Preciso de equilíbrio
Pois em corda bamba
Eu me balanço.
OBRIGAÇÃO
Amo você há tanto tempo,
Nosso futuro virou passado,
Vejo o que poderia ter feito
Em horas vivas
E momentos perfeitos.
Amo você há tanto tempo,
Plantamos jardins,
Decoramos a alma,
Assistimos a estranhas guinadas
E a calmarias arrastadas.
Amo você há tanto tempo,
Vivemos,
Choramos,
Presenciamos duros desenlaces
E sinistras alianças.
Só há uma obrigação:
A de amar.
Há tanto tempo amo você:
Digno desejo,
Abençoado e possível,
Pois para coisas impossíveis
Não há obrigação.
OURO DE OFIR
“E vieram de Ofir, e tomaram de lá quatrocentos e vinte talentos de ouro, e o trouxeram ao rei Salomão.” 1 Reis, 9, 28
Vá a Ofir
E recolha ouro,
Ouro puro,
Excelente,
Que brilha e rebrilha
Na carnadura da terra,
Todo ouro que puder extrair.
Vá a Ofir,
Lá o metal arde amarelo,
Vulcão que cospe fogo
Para meu trono cobrir.
Busque o ouro da Palavra,
Do Verbo que fecunda
Ao simples proferir;
O ouro do Silêncio,
Chave que gira
Ao simples toque de abrir;
O ouro da Sabedoria,
Pedestal erguido
À arte de persuadir.
Traga ouro do Oriente,
Lá das bandas de Ofir,
Com esses fios
Será bordado o traje da noiva,
Menina dos meus olhos,
Para a aliança se cumprir.
Fotografias: Осипов Ёжъ Александр
RAQUEL NAVEIRA nasceu em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, no dia 23 de setembro de 1957. Formou-se em Direito e em Letras pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB/MS), onde exerceu o magistério superior, desde 1987 até 2006, quando se aposentou e mudou para São Paulo, ali permanecendo por dez anos, regressando a Campo Grande em 2016. Doutora em Língua e Literatura Francesas pela Universidade de Nancy, França. Mestre em Comunicação e Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP. Colunista do jornal Correio do Estado (Campo Grande/MS). Pertence à Academia Sul-Mato-Grossense de Letras (atualmente exerce o cargo de vice-presidente), à Academia Cristã de Letras de São Paulo e ao PEN Clube do Brasil. Radialista da CBN, de Campo Grande/MS. É palestrante, dá cursos de Pós-Graduação e oficinas literárias. Foi curadora da 32ª Feira do Livro de Brasília, em 2016. Escreveu vários livros, entre eles Abadia (poemas, editora Imago,1996) e Casa de Tecla (poemas, editora Escrituras, 1999), finalistas do Prêmio Jabuti de Poesia, da CBL. Os mais recentes são os livros de crônicas Caminhos de Bicicleta (São Paulo: Miró, 2010); o de poemas, Sangue Português: raízes, formação e lusofonia (São Paulo: Arte&Ciência, 2012), Prêmio Guavira da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul; o de ensaios Quarto de Artista (Rio de Janeiro: Íbis Libris, 2013); Jardim Fechado: uma Antologia Poética (Porto Alegre/RS: Vidráguas, 2015), painel de mais de três décadas de publicações; o de crônicas O Avião Invisível (Rio de Janeiro: Íbis Libris, 2017). No gênero infantil escreveu Guto e os Bichinhos 1 e 2 (Campo Grande/MS:Alvorada, 2012) e Dora, a Menina Escritora (Campo Grande/MS: Alvorada, 2014).