Cinema/Andrey Luna Giron: Os três limites de Andrei Tarkóvski .


Andrei Tarkóvski, cineasta russo nascido em 1932 e falecido em 1986 foi um dos maiores artistas do cinema, tendo feito 7 filmes, todos considerados obras-primas. Cinco na Rússia e dois no exterior por conta da pressão política sobre seu trabalho.
 
Aprendeu com os pais a paixão pela literatura e pelas artes. Seu pai Arseny Tarkóvski foi um renomado poeta e sua mãe foi tradutora.
 
Viveu o momento conturbado da Segunda Guerra, que causou o seu afastamento de sua família e fez brotar em sua juventude um senso mais profundo sobre o significado da vida e suas complexas conexões, o que foi exprimido com maestria em sua arte cinematográfica, especialmente no filme O Espelho de 1975, que realiza de forma poética e metafísica suas experiências desde a infância, permeada com sua visão cosmológica rica em estética e espiritualidade.
 
O cinema de Tarkóvski rompe com três limites humanos.
 
O limite entre o eu e o inconsciente, onde uma fonte onírica brota incessante e transfigura com o olhar a realidade encontrando signos poéticos sempre novos.
 
O limite entre o eu e a natureza, quebrando a casca do ego e abarcando o espaço como extensão orgânica do eu, criando uma fusão e personalizando a visão estética do mundo.
 
O limite do eu com o outro eu, onde abarcando a humanidade como seu próprio domínio, faz a fusão completa da natureza e das pessoas em sua personalidade, gerando o sentimento íntimo mais profundo de empatia e benevolência, que busca fortalecer, ainda que sob tensões as conexões amorosas entre as pessoas, sem ceder ao impulso destrutivo iminente, como se desencadeia nos atos de violência e nas guerras.
 
Portanto o cinema de Tarkóvski tem o sentido do social, do épico, da imagética do sublime, pois reflete sobre a construção de relações numa simbologia universal, transcendendo a especificidade do tempo e do local geográfico, e tocando nas essências humanas atemporais. Tarkóvski admirava muitos artistas que tinham esta expressividade universal com poder de síntese e que transbordaram  energia, num apuro estético inigualável, como o compositor Johann Sebastian Bach e o pintor Leonardo da Vinci, que foram referenciados em seus filmes.
 
Tarkóvski também admirava as tradições orientais como o Budismo e a arte da Igreja Russa Ortodoxa, por trazerem o sentido claro do puro, retratada de forma sublime no filme sobre o pintor de ícones Andrei Rublev (1966).
 
Escreveu sobre sua filosofia artística no seu livro “Esculpir o Tempo” onde percebe a vida em seu devir como uma eterna criação, onde a vida concreta se torna arte, se eternizando nos instantes, e que paradoxalmente fluem sem cessar, criando o tempo enriquecido, tal qual molda um  escultor – ou cineasta.
 
Tarkóvski é o preferido de outro grande filósofo e poeta do cinema, Ingmar Bergman, além de um sem número de tantos talentosos artistas da sétima arte que o admiraram como Kurosawa e Kiarostami.
 
Como Bach e Leonardo, Tarkóvski levou a arte a um sentido de plenitude, de perfeição na imperfeição; como Leonardo gostava de citar; de poesia pura, de recriação de mundos transfigurados de dores, de alegrias, de êxtase, de desespero. Mas nunca separando a arte da vida, pois se a vida tem um caráter artístico-espiritual, o trabalho também se reveste de algo divino, com sua respectiva leveza e seriedade. 
 
Assim pensou Tarkóvski. Assim viveu Tarkóvski.
Assim criou Tarkóvski.


Mirror (4K, drama, realizado por Andrei Tarkovsky, 1974) (legendado em português).



Andrey Luna Giron é poeta, músico, maestro, artista plástico, fotógrafo e budista. Tem 5 livros publicados de poesia – Cósmicas pela editora Protexto, Claritas, Mistério AcesoDo Fundo Da Palavra e Terra Celeste pela editora Insight. Participou das Coletâneas 100 Anos da Semana de Arte Moderna e Amazônia em Prosa e Verso da AIAP Brasil. Gravou CD de música clássica contemporânea com composições próprias com o grupo Ethos Fractallis realizando concerto de lançamento no Museu Guido Viaro e distribuído nas mediatecas de Paris. Fez trilha sonora para cinema e tem várias composições orquestrais e para piano. Trabalha no Museu Guido Viaro onde faz recepção, monitorias e palestras semanais sobre cinema no Cineclube Espoletta deste Museu.

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