Cobra: Demétrio Panarotto


[imagem: Lorenzo Panarotto]

                                                                                        
I
cobra na fatura
mordida sem medida
à prestação da morte
sangue já fora das veias
sorriso de testemunha
o fim é dependurado
II
cobra no boleto
felicidade em vidrinhos
boletas pagas boletas pagas
mordida lenta sono
alguns meses de vida
corpo parafusado no caixão
III
cobra na duplicata
um duo de miséria
as presas inoculando
servidão servilismo
só solta a vítima
depois do acalanto
IV
cobra em prestação
parece aperto de sucuri
morte a bem suada
puxa o ar nem vírgula vem
baba no canto da boca
sorriso amarelo pastel
V
cobra juros e correção…
tipo cobra curral
nem juras de amor
chupando o próprio rabo
pra se manter quase morto
risco de vida nulo
VI
cobra no cartão                                                                   de crédito (ou de débito)
mais venenosa que a píton
tu não vê de onde vem o bote
aula de contorcionismo
num canto da vida um xerox
da certidão de óbito
VII
cobra na tv
pra dar ibope pro dinheiro
patrocinado pelo dinheiro
que só aumenta o dinheiro
de quem tem mais dinheiro
dinheiro dinheiro dinheiro
VIII
cobra on-line
enfia o dedo no cu
aperta na tecla enter
do caixão virtual
das alças de créditos recentes
funerária de internet
IX
cobra na justiça
ajusta o surto que dá
dinheiro pra louco
pinga na conta do juiz
os olhos saltando
cremação in loco
X
a cobra que também sou acabou de me cobrar algo.


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