Coluna Luís Palma Gomes: A primeira aula



Caminhamos até ao limite da aldeia. Nos últimos candeeiros públicos, os morcegos, em voos irregulares, caçam traças atraídas pela luz. Ouvem-se os cães a ladrar ao longe: um mais perto de nós, outro acolá mais ao longe.
 
Mas foram outras as luzes que nos trouxeram a este arrabalde.

Viemos ver o céu estrelado: galáxias, planetas, estrelas.
 
Toda esta noite é imensa, um mar de probabilidades, num infinito mistério.
 
A primeira aula de teologia devia ser sobre astronomia.
 


Salvaterra do Extremo, 19 de julho de 2025



Luís Palma Gomes nasceu em Lisboa, em 1967, e cresceu na periferia, em Queluz — entre linhas de comboio, pequenos quintais e o rumor longínquo da cidade. Engenheiro informático de formação, é hoje professor de Informática no ensino secundário. A escrita, porém, sempre lhe correu em paralelo, como um rio subterrâneo. Começou a publicar nos anos 90 no suplemento DN Jovem, onde os primeiros poemas encontraram lugar. Poeta do intervalo e da fricção, escreve a partir do quotidiano, da contemplação das pequenas coisas, dos gestos que passam despercebidos.  Publicou Fronteira em 2022, e O Cálculo das Improbabilidades em 2025, onde aprofunda uma linguagem feita de tensão entre o visível e o indizível, entre a matéria e o símbolo, entre a casa e o mundo. É também autor de peças de teatro, como A Moura e O Último Castro Antes de Roma, onde a memória histórica se cruza com as inquietações humanas. Escreve e ensina jovens, porque precisa de ver crescer alguma coisa — nem que seja uma imagem, uma ideia, uma manhã, uma vontade. Não tem medo da água fria do mar.

Respostas de 6

  1. Que força tem a última frase! Também pelas surpresa. Andas ali a tourear-nos com observações do mundo próximo e, depois, rematas com essa tirada filosófica. Uma frase que encerra todo um programa.

  2. Muito bom. Senti- me viajar a milhares de km de distância , a terra que me viu nascer. E ali em África como no Ribatejo a mesma paisagem, morcegos, cães e o fantástico céu estrelado . O luar.
    ‘———————————————-
    Fernando Pessoa
    “E eu de pé ante a janela, vi todo o luar de toda a África inundar a paisagem e o meu sonho “

  3. Os astros que somos quando nosso estado de ânimo concilia tudo que vivemos somente com os olhos. A primeira aula nos limites das aldeias que construimos quando nelas residimos com a alma livre em nossos olhos.

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