
As águas calmas da barragem embalam-nos num sono morno, numa miragem plácida onde só o sossego parece reinar. Nas margens, o cheiro do poejo adoça-nos o palato através do olfato, como se fosse possível saborear o ar.
Peixes assomam à superfície para caçar os mosquitos que, em voos rasantes e imprevistos, dançam sobre a película da água. O silêncio quebra-se, por fim, com o salto de uma carpa e o destino infeliz do inseto.
São estas águas opacas e serenas que nos tornam vagarosos, talvez excessivamente confiantes. Deixamos de fazer perguntas porque ouvimos sempre as mesmas respostas.
Desistimos de olhar em profundidade. Procuramos respostas fáceis — rápidas, limpas, definitivas — porque já não sabemos esperar. Preferimos não saber a verdade.
E, sem darmos conta, é então que a carpa se aproxima, sorrateira, para nos roubar a luz… e a liberdade.
Aldeia de Penha Garcia, 16 de agosto de 2025

Luís Palma Gomes nasceu em Lisboa, em 1967, e cresceu na periferia, em Queluz — entre linhas de comboio, pequenos quintais e o rumor longínquo da cidade. Engenheiro informático de formação, é hoje professor de Informática no ensino secundário. A escrita, porém, sempre lhe correu em paralelo, como um rio subterrâneo. Começou a publicar nos anos 90 no suplemento DN Jovem, onde os primeiros poemas encontraram lugar. Poeta do intervalo e da fricção, escreve a partir do quotidiano, da contemplação das pequenas coisas, dos gestos que passam despercebidos. Publicou Fronteira em 2022, e O Cálculo das Improbabilidades em 2025, onde aprofunda uma linguagem feita de tensão entre o visível e o indizível, entre a matéria e o símbolo, entre a casa e o mundo. É também autor de peças de teatro, como A Moura e O Último Castro Antes de Roma, onde a memória histórica se cruza com as inquietações humanas. Escreve e ensina jovens, porque precisa de ver crescer alguma coisa — nem que seja uma imagem, uma ideia, uma manhã, uma vontade. Não tem medo da água fria do mar.
Respostas de 2
Já não sabemos esperar. O mal dos nossos dias. Penso eu de que ..,
Um abraço e boas escritas e boas férias
O Luis Palma Gomes sem duvida é um dos maiores poetas dos nossos dias!