
A manhã é a porta flagrante da esperança. Assim que levanto os olhos, sou tentado a acreditar que alguma pequena renovação se fez durante a noite: os cansaços foram dissipados, os medos suavizados e o sono despertou novas possibilidades.
Os pássaros sabem disto antes de nós; os gatos vêm acordar-nos; as flores perfumam intensamente os caminhos — já paraste para as cheirar?
Mesmo nas casas, o cheiro do café e o incentivo discreto dos bons-dias servem, sobretudo, para nos lembrar de que há uma nova hipótese. E outra mais. E mais uma depois ainda. E depois mais uma ainda…
De manhã, sabemos — com humildade — que valemos, por agora, aquilo em que acreditamos. Mesmo que ao fim do dia voltemos a duvidar.
A manhã é uma sorte, uma dádiva repetida, uma espécie de perdão renovado. Terá sido de manhã que o poeta escreveu: “Ama como a estrada que começa.”
Lisboa, 21 de junho de 2025

Luís Palma Gomes nasceu em Lisboa, em 1967, e cresceu na periferia, em Queluz — entre linhas de comboio, pequenos quintais e o rumor longínquo da cidade. Engenheiro informático de formação, é hoje professor de Informática no ensino secundário. A escrita, porém, sempre lhe correu em paralelo, como um rio subterrâneo. Começou a publicar nos anos 90 no suplemento DN Jovem, onde os primeiros poemas encontraram lugar. Poeta do intervalo e da fricção, escreve a partir do quotidiano, da contemplação das pequenas coisas, dos gestos que passam despercebidos. Publicou Fronteira em 2022, e O Cálculo das Improbabilidades em 2025, onde aprofunda uma linguagem feita de tensão entre o visível e o indizível, entre a matéria e o símbolo, entre a casa e o mundo. É também autor de peças de teatro, como A Moura e O Último Castro Antes de Roma, onde a memória histórica se cruza com as inquietações humanas. Escreve e ensina jovens, porque precisa de ver crescer alguma coisa — nem que seja uma imagem, uma ideia, uma manhã, uma vontade. Não tem medo da água fria do mar.
Respostas de 11
Esta crônica me chega com cheiro de café vindo da cozinha quando ainda estamos com o sono no rosto ou da vizinhança, das repartições e demais organizações humanas, onde ainda deixam uma fresta de janela para o cheiro suplantar nossa perspectiva de manhã apenas contida. Afinal, o unigênito cheiro a “nos lembrar de que há uma nova hipótese”, pois as manhãs chegam dos bons-dias, dos pássaros que nos antecipam a vida a se desdobrar, dos gatos em seus notívagos caminhos enquanto nós, humanos, sonhamos. Terá sido de manhã que o poeta Luís Palma Gomes escreveu seu “As manhãs”? De alguma sorte, a crônica nos amanheceu e nos deu aquela esperança acordada de quem “escreve a partir do quotidiano, da contemplação das pequenas coisas, dos gestos que passam despercebidos.”. Que continuemos amanhecendo!
Amo-te como de manhã, Amo-te como de noite e só interessa, nós dois e mais ninguém…
O cheiro do café é apenas o cheiro de nós dois…
Prosa feita de poesia. Muito bem Luís, gostaria de escrever como tu. No próximo ano letivo inscreve-te na oficina de escrita criativa. As aulas são através de temas dadas pela nossa professora através de e_mail as quartas-feiras e por zoom esporadicamente. Até só final de domingo tem-se que enviar o trabalho numa folha A4 e enviá-la pela mesma via. Depois temos que comentar o trabalho dos colegas o que a mim me aborrece. Mas são as regras. Temos também um trabalho anual e outro que é trabalhado por todos os alunos. Mensalmente podes participar no fio de escrita e o tema aí é livre mas temos que nos cingir também a uma folha A4. Para teres uma ideia o penúltimo tema sugerido pela Prof. Foi ” Fresca manhã da vida, um aceno de paz em cada flor” E o magnífico texto que enviaste encaixava-se muito bem no tema. O desta semana e último do ano letivo é: ” A felicidade sentava-se todos os dias no peitoril da janela” . Gostei muito do teu texto, suplantas e muito o jeito que também tens para o pontapé na bola. Faz isso Luís, inscreve-te, a nossa universidade iria ficar muito mais enriquecida com os teus textos . Um abraço
Adoro como pões por palavras aquilo que sentimos
Bom dia Luís, meu amigo que escreve as sensibilidades discretas, os pormenores mais importantes, os traços mais pequenos e curtos que distinguem o dia da noite, o começo do fim. Ainda que os pássaros estejam sempre presentes e os gatos, toda a natureza, faça o favor de nos lembrar das horas da vida. Que bom a tua escrita dar conta atenta de uma beleza indecifrável das horas matutinas.
Venha lá outra manhã. Muito bom.
A magia do recomeço,cada manhã é a oportunidade de melhorar de recomeçar e de renascer com forças renovadas, palavras simples que nos recordam das inúmeras possibilidades que cada novo dia nos dá, é uma benção, a tua escrita leva- nos a valorizar o que realmente importa.
Obrigado.
Não sendo eu um ser`matinal`, estas palavras são uma inspiração para aqueles que gostam das manhas. E quanto a mim, fico com vontade de passar a levantar me mais cedo
Enquanto velho amigo do autor, podem soar exagerados os encómios à sua escrita, mas aí vai: este texto reúne dois géneros há muito frequentemente casados, e nem sempre com sucesso. A crónica por vezes desconfia do arrojo da poesia, o que faz dela companhia pouco prudente…mas aqui tudo saiu como, onde, e quando devia, com a elegância que só tem um lançamento na passada! Parabéns, meu amigo! Sabe sempre bem ler-te!
Não esperava de ti outra conversa, és muito bom e ainda bem que fazes parte da minha família. Grande abraço primo.
Belo poema ! Só um poeta pode traduzir a magia do amanhecer. Não sou uma pessoa matinal .Tenho pena . Recordo em criança do amanhecer ia com minha mãe de viagem e apesar da minha pouca idade achei uma beleza estonteante, que me marcou , para sempre.Parabéns Miguel