Contações é o mais novo livro do Poeta Tiago D. Oliveira, são narrativas que assumem a estética de poemas para contar o que em muitos momentos se torna um híbrido de ficção e memória. São pequenas mitologias que se espraiam neste tempo para guardar personagens e temas que se fundiram ao imaginário no tempo / espaço de um país que é constantemente alcançado pela inversão de valores em sua violência habitual. A escrita aqui serve como ato de registro para guardar um tempo e moldes que alimentam a transformação de real para o lúdico, do lúdico para o real. São relatos, constatações, imaginações que contam enquanto assumem a poesia como direção. O Brasil é o pano de fundo do livro. Um país de outro tempo que grafa nas páginas deste livro uma tentativa para lembrar que ainda é possível a reinvenção do dia, da vida.
não há nada
pelos caminhos
que te fortaleça
mais do que aquilo
que te fez partir.
seguir já não é
escolha, filho.
não siga o coração,
nem a cabeça, siga
o sol. vá e tome
três banhos de folha,
manhã, tarde, noite.
sopre o vento devagar,
que há de se respeitar
quem sabe mais do que nós.
*
não é só de flores
que vivemos, ninguém
vai comer flor, afinal.
bota os dois pés no chão.
pé mesmo, de estivador.
que não há riqueza maior
que pedir a benção
a pai e mãe
em qualquer tempo.
bom dia, seu tempo!
o tempo disse para o tempo:
tudo com o tempo tem tempo.
o tempo só não é bom
para quem não pode esperar.
quem espera
sempre alcança:
boa broca no ouvido
para aprender
a sair do lugar.
*
aqui, depois do centro,
tem gente boa e ruim.
que ninguém é só um nessa vida.
que tem gente que deita e dorme.
num não – que vejo e num calo.
rogo para as plantas.
que no balançar de um galho
resolvem de imaginar em nós
uma resposta para tudo.
que as folhas saem,
dá para ficar olhando
a maneira como elas caem.
que tem um riso em cair.
depois saber do vento para voar
de novo, todo o caminho contrário,
para cima, para frente –
que é para frente que se vai.
vai e toma dois banhos de folha:
para abrir pela manhã, outro
de noite, para os livramentos.
*
cai chuva. que não há
chance melhor do que esta.
de traz para frente, de frente para traz,
a veia é um rio de força e guerra.
solta as amarras, meu filho,
que a memória é um chão de afetos,
possibilidades e nada mais.
após a sopa / luz azul / reviver:
de traz para frente, de frente para traz,
a vida é osso / radar / ovo / arara / omissíssimo,
como o olhar falhando quando tinha duas mãos para dar.
e mesmo que nada aconteça,
não seja um manipanso de araque.
como este aí, pendurado
na parede da sala de estar.
SATOR
AREPO
TENET
OPERA
ROTAS