
Foto: Angelo Agostini / Acervo da Fundação Biblioteca Nacional
Sempre a história dos literatos injustiçados. Pior quando lembramos dos superestimados em detrimento dos bons autores que inexistem a um público leitor menos acanhado – isso quando lhes resta ao menos o acanhado na figura do pequeno ciclo de amigos. Nesse cenário, também a crítica especializada parece buscar no midiático a rigor, salvo raras exceções, o sentido de ser, porque “não lhe há outra saída”.
 
Hoje, com o infindo espaço virtual para publicações, não seria razoável desconsiderar o intento hercúleo de um mapeamento, mesmo sério, sem as inevitáveis lacunas, mas que não justificam uma elitização. Se antes havia os ” missionários do cânone”, imaginemos agora com tantas produções nas redes sociais especialmente em espaços mais particulares como blogs e canais no YouTube. Entanto, o mercado editorial no geral, sob a conveniência da “difícil tarefa da demarcação” contempla – e por que não lembrar seu marketing digital, seu controle de dados!?- deliberadamente aqueles que escrevem com o carisma para um público maior, e nem sempre a qualidade das obras faz a diferença nesse processo. Os, digamos, mercadológicos – inclusive quanto a estratégias de tertúlias com grandes divulgadores culturais. Estou frisando uma realidade existente quando nem se imaginava um dia haver a era digital. Resultado nada negociável: uma aritmética ainda maior de bons e dedicados autores fora de cena.
 
A esse respeito, aludiu o crítico literário Cunha e Silva Filho, em seu ensaio intitulado Os autores desconhecidos e outras reflexões sobre literatura brasileira: “Todas as histórias literárias são incompletas, lacunosas e por vezes injustas e, ao procederem assim, privam o leitor de entrar em contato com os autores dignos de reavaliação. Carecemos, em nossa historiografia literária, de uma obra que se destinasse a propiciar uma visão em síntese, mas de amplo espectro da literatura brasileira de autores contemporâneos e que abarcasse pelo menos da última década do século passado até os dias atuais. Poderia ser um trabalho coletivo”. Mas como nem tudo são espinhos, Cunha me informa, nessa mesma fonte, que há um trabalho com propósito menos segmentário em “Ficção brasileira contemporânea”, de Karl Eric Shollhammer, livro que registra nomes de autores mais novos. Que surjam muitos outros navegadores sem medo de piratas federais! 
É verdade que ativistas culturais se desdobram, tomam a dianteira e, consequentemente, resgatam, resistem e interagem, inevitavelmente, com figuras de relevância sócio – literária, a saber, autores renomados e grandes editoras. Mas que o crivo repense a descoberta de talentos e não estacione no amistoso ainda que o mérito seja legítimo. É quando se envergam diante de autores que merecem a aposta do “Sim” numa real diversidade de expressões em que – por que não dizer – uma insossa performance pública não dê luzes apenas em planos ficcionais a atrair leitores. Que nos explique Dalton Trevisan sua magia.
 
Uma outra intercessão interessante me veio do escritor João Pinto, quando arrisca que os estados poderiam divulgar seus artistas locais desde as universidades às escolas públicas através, por exemplo, da adoção de obras de autores locais. Eis uma sóbria e simples e fácil política pública que custaria iniciativa sem ônus, já que escritores já são divulgados. Seria uma troca (melhor falar em prioridade, para eu não cair no pecado do rigor) sem nenhum risco, senão salvar muita gente boa do anonimato inclusive local. Sim, na melhor das hipóteses, um pequeno número de escritores longe dos ares Sul/ Sudeste são conhecidos somente em suas províncias, em seus rincões . Ainda assim; os que têm presença de público, “sabem se divulgar” e eis uma província emergente. Uma província de substituíveis porque as estruturas parecem não suportar o rico peso da memória. Quando muito, alguns deles seguem pelos ventos: apenas nomes e não autores. Ventos sem os dribles nas comodidades ideológicas, nas convenções históricas, nos discursos geopolíticos em que o tempo já disse.
 
Quem mais ganharia com o fim do” apartheid literário” com a ” proteção das fronteiras” seria o horizonte de leitores, no sentido de um incentivo a mais à leitura, já que novas propostas na luta com as palavras nos levariam às diversas realidades no viés da ficção. Assim, literatura não seria apenas conteúdo de vestibulares, ordem dos bispos dos grandes centros.
 
Mas então, se podemos visualizar iniciativas de percurso tão básico, sem complexidades alguma, embora a médio ou a longo prazo e não absolutamente corrigíveis em razão das infindas manifestações anunciando o tempo; no raso do pensamento, no discurso até piegas, por que a resistência com o que é tão possível, tão previsível? Por que divulgar, repetir aqueles que já são festejados no país inteiro pela grande mídia? Até quando tudo estará restrito ao insumo do mercado? Os artistas locais, num dia de sorte, teriam então que estudar o mesmo evangelho da autoajuda, do empreendedorismo, e de tudo que se busca para o afago business? Acontece que cantar a São Luís, versejar sobre o calor e a cajuína de Teresina (esquecendo aqui o estrelato de um Caetano) não justificariam os Paulo Leminskis e Conceições Evaristos da vida.
 
O negócio então é ser visceral em si e pronto!? Até porque ser visceral é indiferente a circunstâncias. Não se trata de consolo, mesmo enquanto os muitos obstáculos durem… Escrever não espiritualiza tal qual fazer uma prece em secreto dentro do quarto!? Eis o off price!

Geovane Fernandes Monteiro, natural de Água Branca, PI, tem formação em Letras – Português e Pós – graduação em Linguística Aplicada, ambas pela UESPI. É autor do livro de contos Paradeiro (2016) e de poesias O exercício do nada (no prelo). Integra várias coletâneas, como Poesia Tremembé (2021), Caçuá – Coletânea de Contos Piauienses (2020) e Antologia de contos bilíngue (português e espanhol) Palavras sem Fronteiras (2016). Junto com o contista e romancista João Pinto, foi fundador do espaço literário virtual Contos entre paisagens (2020 a 2023).