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Depois de uma semana intensa de sentimentos, fiz aniversário no meio do julgamento da tentativa de golpe, me peguei pensando quais são as principais características que na minha percepção denotam caráter. Fico entre a empatia e a educação, carregando todas as variações que surgem nos detalhes de cada uma. Elas denotam carinho e respeito. Fogem do nível de compreensão dos donos das verdades absolutas. Dizem silenciosamente, não é minha posição, mas te entendo e não saio dando pitaco não solicitado.
Era quinta-feira, já parecia que a semana terminaria e eu poderia comemorar meus 45 anos, que não me permiti na data correta por ter que acordar muito cedo no outro dia. Comecei a trabalhar quando o sol nem tinha raiado e o que seria um dia normal se tornou uma grande descascação de vários pepinos que não valem ser descritos para preservar a identidade dos envolvidos. Almocei já com o voto da Carmen Lúcia sendo dado, trazendo esperança ao meu dia mal iniciado. Senti um pouquinho da alma lavada, pensando que se aquele golpe tivesse dado certo eu provavelmente estaria lá bem no final da lista das pessoas que não merecem estar no mundo. Reconheço aqui minha irrelevância nacional, sei quem sou na fila do pão. Ainda que meus pensamentos e minha sede de justiça social sejam bem explícitos, meu holofote não faz tanta luz na escuridão.
Animei que voto condenatório tenha vindo de uma mulher, do simbolismo que isso carrega. Comecei a ficar inquieta, louca para pegar o celular e compartilhar na minha bolha a comemoração que já ia chegar, não do meu aniversário, mas da justiça, do direito de poder comemorar mais um cumple. Me contive porque ainda precisava acabar de descascar meus pepinos e queria dados concretos, com datas, tempos, sempre com aquela sensação que alguém pode ter um chilique jogar a mesa pra cima e melar tudo. Afinal, não estamos lidando com pessoas que agem dentro dos marcos civilizatórios.
Quando finalmente saiu a pena, eu já estava em uma reunião que iria até 20h, mas não resisti. Entrei no instagram compartilhei um meme das capivarinhas que traduzia nomes para inglês e quando chegava em Jair colocava Jail. Achei engraçado, daqueles que vale pela sutileza. Stories postado segui a vida.
Mais tarde recebi uma notificação de comentário sobre o que postei. Era de uma dessas pessoas com dissonância cognitiva extrema, que no dia do meu aniversário tinha me dado os parabéns que a formalidade da nossa relação parece exigir, mas que poucos dias depois se achou no direito de adentrar meu espaço virtual e escrever “Lula Ladrão”, assim sorrateira por mensagem. Um parabéns aberto, uma grosseria no privado. Interessante, não? Ou falta de educação e empatia? Dona da verdade? Eu poderia ter seguido a conversa, afinal a janela foi aberta com uma pedrada, mas minha educação e empatia falaram mais alto, cliquei no botão de bloquear e em um passe de mágica encerrei o assunto. Pena que a ação não se estende para a vida. Ou, que bom que existam pessoas que pensam diferente de mim, pena a falta de conexões neurais para uma discussão evoluída.

Malvina de Castro Rosa é de Porto Alegre. Escritora, relações públicas e mestra em design estratégico, publicou os livros As loucas aventuras da guria maluca (crônicas, 2013), Paralelos Cruzados (2021), seu primeiro romance, e Crônicas de um fim do mundo antecipado (2023), no qual reúne crônicas do blog semanal que mantém há mais de quatro anos, www.bomdiasociedademachista.blogspot.com. Em 2024, lançou a coletânea de contos Em nós. Atualmente, é editora assistente na Caravana Grupo Editorial, no Brasil, e editora-chefe da Caburé, na Argentina, além de conselheira da revista Vinca Literária.
Instagran @malvina.rosa
Respostas de 2
Amei, Malvina ! Tanto no aberto quanto no privado 😅
Resposta de grande classe 👏👏👏👏
A divergência é importante quando entendemos uma sociedade harmônica e complementar. Pena que não estamos falando do Brasil onde infelizmente ainda preocupa o jargão: ” Não se deve falar em futebol, religião e política”. A intolerância gera violência que gera carência de opinião. A intolerância não forma opinião. Por outro lado, opensamento diferente e até contrário ao meu me faz sentir melhor minha identidade enquanto cidadão, ser humano. Sua crônica, Malvina, é um balde de água fria na cara dos “blindados” com a verdade absoluta que traz a espada, e não a pacificação que tantos almejamos em tempos polarizados.