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Ilustração: Gino Severini |
Sim, eu matei Osvaldo, eu matei Osvaldo e tenho muito orgulho disso. Eu matei Osvaldo, Dona Mariana, a Sra. me desculpe, era seu filho, mas não recebeu educação para respeitar uma mulher e, se não estivesse morto, seria um assassino, um feminicida.
Eu matei Osvaldo, Sr. Juiz, espero que o Sr. me entenda, pois, mesmo depois de 16 boletins de ocorrência, ele continuava livre para me perseguir, me ameaçar de morte e me espancar sempre que pretendia. Eu matei Osvaldo porque a justiça não se mostrou suficiente para impedir que ele viesse a me matar. Seria ele ou eu. E eu optei por ele. Matei Osvaldo e estou aqui para contar a história e me defender. E não foi difícil, foi muito fácil. Depois de mais uma dentre as centenas de surras que levei desde que nos conhecemos há 9 anos, obrigou-me a servi-lhe o almoço. Mas, naquele dia, eu já havia preparado o seu prato preferido: estrogonofe de carne com arroz e batatas fritas, apenas acrescentei algumas folhas de belladonna ao cardápio, não demorou muito para vê-lo convulsionando, caído no meio da sala com as pupilas dilatadas, alucinado e sufocado. Aproximei-me tomei seu pulso e vi que seus batimentos estavam acelerados. Ele tentou desesperadamente falar alguma coisa, mas não conseguiu. Eu tinha a pilocarpina em casa, o antídoto da belladonna, comprei as duas substâncias no mesmo dia, mas não senti nenhuma compaixão, o menor desejo de salvá-lo. Por isso entrei no meu quarto, vesti minha melhor roupa, a mais chamativa, dediquei mais tempo do que de costume à maquiagem, me enfeitei com acessórios coloridos e saí para dançar. As testemunhas que lá estavam terão orgasmos de satisfação ao relatar o quanto me diverti naquela noite, os homens, principalmente, haverão de exaltar o teor de minha crueldade e frieza ao dançar alegremente, enquanto meu ex-companheiro agonizava no escuro do chão de minha casa fechada.
Eu honestamente estava feliz por ter a certeza de que Osvaldo não entraria com sua brutalidade e seu ódio pela porta do salão para me arrastar pelos cabelos enquanto me esbofeteava diante de um público tão covarde quanto ele. Não raras foram as vezes em que os seguranças nos lançaram juntos para o meio da rua, num só pontapé, num só empurrão. E por que eu voltava para me divertir no mesmo lugar se há tantos bailes na cidade? Porque mesmo sendo espancada com tanta frequência, comprometi-me a não deixar de fazer nada por obediência aos caprichos e às ameaças de Osvaldo. Muitos dos presentes podem estar pensando: “E com quem ela dançava? Que dignidade ela possui se costumava se divertir com pessoas incapazes de defendê-la?” Pois eu lhes digo, Sr. juiz: eu dançava e me divertia com a minha amada Edite, a minha adorável e delicada Edite. Ela tem nanismo e mede 1,25 cm, mas com ela eu me sinto forte, valente e tenho coragem suficiente para enfrentar o que vier, e nunca, nunca, nenhum homem me fez gozar com tanta alegria e satisfação como a minha Ditinha. Uma mulher dessa faz a gente descobrir que vale a pena viver.
Não me arrependo e espero que outras Daianes sobrevivam aos seus Osvaldos e possam ao menos comparecer aos tribunais e serem elas as rés e não as vítimas de feminicídio; para que outras Daianes possam ao menos ter a oportunidade de contar o desfecho trágico de seus relacionamentos com seus ex-companheiros; para que outras Daianes sejam as sobreviventes e possam retornar à sociedade para continuar suas vidas de cabeça erguida, vitoriosas e sem remorsos, após um curto período de reclusão. Porque essa é a realidade dos machos feminicidas. Não há consciência para eles e, por isso, não haverá para mim.
Para finalizar, Sr. Juiz, eu me declaro uma culpada inocente, mas estou pronta para receber e cumprir minha pena e, finalmente, terminar meus dias livres ao lado de minha adorável Ditinha.
Tereza Du’Zai