Foi um diálogo insólito, como é de se esperar
de tão Sagrada Criatura.
Beatíssimo,
empregou a deleitosa língua dos anjos,
toda em metáforas e versos.
(Oh mistérios gozosos, etéreas delícias!)
Discorreu sobre o Verbo e, dádiva para um mortal,
contou-me segredos de sua condição angélica.
Disse sentir um misto de admiração
e inveja de outras criaturas: os semideuses
e os humanos com suas veleidades, amores
e ingênuas crenças.
Com feições élficas
– pois a um elfose assemelhava –, pediu-me que o ouvisse,
por um momento, entoar um salmo.
Não era de Davi
e muito menos se inspirava em Salomão,
o sábio dos haréns e mil palácios.
No salmo confessou (Melodia das melodias,
pungente, doída e harmônica!) o quanto
se sentia só, morando no Céu, apesar de lá existirem
tantos espíritos, como os que chegam todos os dias
da Eternidade
com lanches e esperas – para ver Deus
e sua Sagrada Face.
Em certo momento,
ocorreu-me perguntar sobre a escritora
Emily Dickinson, para ter notícias dela
em seus dias de Paraíso.
Como demonstrasse algum desconforto
ante a pergunta, quis saber
de Dickinson, e sua mensagem relativa
ao transporte proporcionado pela leitura.
O Anjo disse um ‘Não!’
que revelou mais surpresa do que
à espera de que eu o recitasse.
Fez um silêncio respeitoso
e,
exalava um doce perfume de jasmim.
Declamei, então, em meu inglês com sotaque,
mineiramente como soaria uma oração
na voz de Adélia Prado em dias de parturiente
ou de João Guimarães Rosa proferindo mensagens
Mas isto não impediu de maneira alguma
que, de repente, rolasse uma lágrima
de seus santos olhos e que Ele, ao mesmo tempo
levitasse,
contemplativamente.
Como por encanto ou milagre, epifania,
o líquido brotado, a lágrima
desceu sobre mim
e veio ter em meus próprios olhos.
Foi aí que Ele transmutou-se
e eu,
por minha vez, olhei em sua mais humana,
mais Sagrada Face.
O Anjo desgarrado era ela em pessoa
e espírito.
O Anjo, meu Deus, era a Bela de Amherst,
Emily Dickinson,
e assim permaneceu eternamente.