EDITORA QUATRO CANTOS LANÇA IMPRESSÕES DO PÂNTANO DE LUIS DOLHNIKOFF
CHEGA EM JANEIRO ÚLTIMO LIVRO DA TRILOGIA POÉTICA DE LUIS DOLHNIKOFF, COMPOSTA POR LODO (ATÊLIE, 2009) E AS RUGOSIDADES DO CAOS (QUATRO CANTOS, 2015, FINALISTA DO JABUTI)
Impressões do pântano , o título, resume bem a poesia desse livro. Com o sentido triplicado, a palavra pântano no singular não se refere a um lugar, mas a três. O primeiro é o Pântano do Sul, nome não tão belo da bela praia em que vive o autor no sul da Ilha de Santa Catarina. O segundo pântano é aquele de norte a sul, e de leste a oeste, o mundo contemporâneo. O terceiro é o que haveria na alma, se alma houvesse (segundo o poema “Uma víscera”). O que se exemplifica aqui é o uso potente da polissemia. E o que caracteriza a poesia de Impressões do pântano é o uso intensivo das capacidades estéticas da linguagem poética moderna, aplicadas a fortes impressões
do mundo atual. Se, como disse Valéry, a poesia é uma oscilação entre o som e o sentido, a poesia dessa obra é uma ampliação, uma reverberação, das possibilidades das palavras em meio aos seus sons e seus sentidos, ou falta de sentido. São 90 poemas que, apesar de individualmente inteiros
e autônomos, se encadeiam durante a leitura. O segundo poema retoma algo de primeiro, como um tema com variações, o terceiro do primeiro e assim por diante. Seria um livro-poema, não fosse a já referida autonomia de cada parte, cada poema individualmente tem seu tema diferente, mas há um sentido geral que perpassa o livro todo, “os pântanos” do título.
SOBRE A SITUAÇÃO ATUAL DA POESIA E SEU POSSÍVEL FUTURO
(EM LUGAR DE UM PREFÁCIO)
1. A poesia é irrelevante.
2. A irrelevância da poesia não é irrelevante.
3. Apenas a poesia viva, isto é, feita por vivos, não interessa a ninguém além dos próprios poetas e de seus amigos (outros poetas interessados na própria poesia e na de seus amigos).
4. A poesia morta, em mais de um sentido – feita por mortos e em formas historicamente mortas –, interessa a muita gente. A poesia reunida em Parnaso de além-túmulo, do “médium” Chico Xavier, que pretende “psicografar” poetas do passado, conta, em suas muitas reedições, com mais de cem mil exemplares vendidos.
5. A poesia do presente é irrelevante.
6. A irrelevância da poesia do presente não é irrelevante.
7. O rap é uma forma poética. Seu nome é a sigla de “rhythm and poetry”, “ritmo e poesia”. Poesia oral em forma de “canto falado” (recorrente na história da poesia, que se chama lírica por causa de um instrumento, a lira), pôde ser tratado como linguagem musical, apresentado como arte performática e veiculado pela mídia de entretenimento.
8. O rap é a única poesia de mercado. E os rappers, os únicos poetas profissionais (que vivem de seu trabalho poético). Os demais são amadores.
9. Rap é poesia popular.
10. Além de sua linguagem, a tradição a que pertence define as possibilidades de uma arte.
11. A pintura naïf é incapaz de reproduzir a perspectiva. A perspectiva é uma invenção (um mecanismo). Só pode ser conhecida (e reconhecida, como em Pollock, nascido num jardim de Monet) através do seu estudo.
12. Arte erudita é arte com domínio da tradição.
13. Toda arte popular é naïf.
14. O jazz é a exceção que confirma a regra da naïveté (ainda que apenas em parte: seus instrumentos são os da música erudita europeia).
15. A poesia erudita, ou “literária”, é hoje irrelevante. A poesia popular não é.
16. A irrelevância da poesia erudita não é irrelevante.
17. Saber por que a poesia erudita é hoje irrelevante não é irrelevante.
18. A resposta provavelmente foi dada pelo físico e escritor britânico C. P. Snow em As duas culturas, que trata da atual incomunicabilidade entre cientistas e humanistas (incluindo os “literatos”), o que contradiz o próprio nascimento da modernidade, no Renascimento; e pelo poeta João Cabral de Melo Neto, em duas conferências dos anos 1950.
19. Snow considera que os humanistas em geral, e os “literatos” em particular, são luditas viscerais, ou seja, rejeitam a ciência e a técnica. Como a técnica e a ciência são dominantes na cultura moderna, os poetas se tornaram contemporaneamente irrelevantes (ao contrário de outras épocas [incluindo o modernismo]) por serem incapazes de dar conta da cultura e do mundo contemporâneos.
20. Cabral considera que a poesia se tornou irrelevante porque os poetas contemporâneos consideram o leitor irrelevante.
21. Os leitores consideram a poesia erudita contemporânea irrelevante.
22. Snow: “[O] grande edifício da física moderna cresce, e a maioria dos homens mais inteligentes do mundo ocidental tem tanto conhecimento sobre ele quanto seus ancestrais neolíticos […]. Por negligência estamos deixando escapar algumas das nossas melhores oportunidades nos campos do pensamento e da criação. Os pontos de colisão de dois tópicos, duas disciplinas, duas culturas, […] deveriam produzir oportunidades criadoras. […] As oportunidades estão aí agora. Mas estão aí como que num vácuo, porque aqueles que pertencem às duas culturas não se falam. É estranho como pouca coisa da ciência do século XX foi assimilada pela arte do século XX. Vez por outra costumávamos encontrar poetas que usavam conscientemente expressões científicas, e usavam-nas de forma errada: houve época em que a palavra ‘refração’ vivia aparecendo em versos de uma maneira mistificadora, e em que a expressão ‘luz polarizada’ era usada como se os escritores se achassem sob a ilusão de se tratar de um tipo de luz especialmente admirável. Não é desse modo que a ciência pode ser útil à arte. Ela deve ser assimilada juntamente com o conjunto de nossa experiência mental, e como parte integrante dela, e ser utilizada tão naturalmente quanto o resto. [Essa] divisão cultural […] existe em todo o mundo ocidental”. “A razão para a existência das duas culturas são muitas, profundas e complexas. […] Mas gostaria de separar uma. Se deixarmos de lado a cultura científica, o resto dos intelectuais ocidentais nunca tentou, quis ou conseguiu compreender a Revolução Industrial, muito menos aceitá-la. Os intelectuais, particularmente os literatos, são luditas naturais”. “[A Revolução Industrial] era de longe a maior transformação na sociedade desde a descoberta da agricultura. [Mas] os intelectuais não compreenderam o que estava acontecendo. Com certeza, os literatos não. Muitos deles se esquivaram, como se a conduta correta de um homem de sentimento fosse a contração. Alguns, como Ruskin, William Morris, Thoreau e Emerson tentaram vários tipos de fantasias que não tiveram mais efeito do que um grito de horror”.
23. O ludismo dos “literatos” não acomete os escritores. Todo um gênero da prosa de ficção se apoia diretamente no cientificismo: a ficção científica (e os demais não ignoram o mundo).
24. O ludismo dos “literatos” é, predominantemente, uma doença mental crônica dos poetas, que insistem em conceder ao eu lírico um lugar especial qualquer nas coisas sublimes do mundo.
25 Não há o sublime – ou o belo – no confuso e escuro nevoeiro do mundo. Mas a beleza incidental de uma ninfeia ou de uma ideia no meio do pântano.
26. João Cabral: “O espetáculo da sociedade aparecerá [ao] jovem autor coisa muito confusa, e ele não saberá descobrir, nela, a direção do vento. Por isso, preferirá recorrer ao espetáculo da literatura. A partir da vida literária que se está fazendo no momento, ele fundará sua poesia. No espetáculo dessa vida literária ele pode encontrar autores justificando todas as suas inclinações pessoais, críticos para teorizar sobre sua preguiça ou sua minúcia obsessiva, grupos de artistas com que identificar-se e a partir de cujo gosto condenar todo o resto. Aí começa a descoberta de sua literatura pessoal. O confrade lhe é mais real do que o leitor”. “O poeta moderno, que vive no individualismo mais exacerbado, sacrifica ao bem da expressão a intenção de se comunicar. Por sua vez, o bem da expressão já não precisa ser ratificado pela possibilidade de comunicação. Escrever deixou de ser para tal poeta atividade transitiva de dizer determinadas coisas a determinadas classes de pessoas; escrever é agora atividade intransitiva, é, para esse poeta, conhecer-se, examinar-se, dar-se em espetáculo; é dizer uma coisa a quem puder entendê-la ou interessar-se por ela. O alvo desse caçador não é o animal que ele vê passar correndo. Ele atira a flecha de seu poema sem direção definida, com a obscura esperança de que uma caça qualquer aconteça achar-se na sua trajetória. Como a necessidade de comunicação foi desprezada e não entra em nada em consideração no momento em que o poeta registra sua expressão, é lógico que as pesquisas formais do poeta contemporâneo não tenham podido chegar até os problemas de ajustamento do poema à sua possível função”. “[Hoje] não há uma arte, não há a poesia, mas há artes, há poesias. Cada arte se fragmentou em tantas artes quantos foram os artistas capazes de fundar um tipo de expressão original. [A] criação de poéticas particulares diminuiu o campo da arte. Em vez de seu enriquecimento, assistimos à especialização de alguns de seus aspectos, pois, em última análise, a criação de poéticas particulares não passa do abandono de todo conjunto por um aspecto particular. Esse aspecto particular passa a ser considerado pelo artista que o descobre o valor essencial da arte, e passa a ser desenvolvido a seu ponto extremo. Para muita gente, essa especialização significa um aprofundamento, absolutamente necessário se se quer fazer a arte avançar. Essas pessoas parecem contar com uma idade futura, em que todos esses aspectos particulares serão aproveitados numa síntese superior. Entretanto, creio que esse aprofundamento é apenas aparente. Desde o momento em que arte se fragmenta, desde o momento em que sua máquina é desmontada, sua utilidade, a função que aquela máquina exercia, ao trabalhar completa, logo desaparece. Os que a desmontaram têm agora consigo peças de máquinas, pedaços de máquinas, capazes de realizar pequenos trabalhos, mas incapazes de recriar aquele serviço a que a máquina inteira estava habilitada. […] Portanto, o que verdadeiramente existe no fundo dessa fragmentação é o empobrecimento técnico.” “[O que] os poetas contemporâneos obtiveram foi o chamado ‘poema’ moderno, esse híbrido de monólogo interior e de discurso de praça, de diário íntimo e de declaração de princípios, de balbucio e de hermenêutica filosófica, monotonamente linear e sem estrutura discursiva ou desenvolvimento melódico, escrito quase sempre na primeira pessoa e usado indiferentemente para qualquer espécie de mensagem que o seu autor pretenda enviar.”
27. Quem quer enviar uma mensagem deve usar o celular.
28. A poesia engajada se desengaja da linguagem poética para servir à mensagem de uma causa.
29. Poesia identitária é poesia engajada.
30. “Poesia em prosa” e “prosa poética” são prosa sem narrativa.
31. Poesia é o que permanece no poema depois de se ter eliminado tudo o que não é poesia.
32. Por adição massiva de dados, algoritmos podem produzir simulacros de poemas (como já fazem muitos humanos). Ou simulacros de simulacros de poemas.
33. Algoritmos não podem criar metáforas. Ao menos, não metáforas originais e significativas. Porque o deslocamento do sentido das palavras depende de um repertório comum de usos da língua (que refletem experiências culturais de seus usuários) e de uma intervenção consciente e ativa nesse repertório em uma direção inovadora e particular, a partir de um ponto de vista individual que faça sentido cultural para o grupo dos falantes da língua.
34. Culturas são, originalmente, tribais, tanto quanto sua expressão verbal particular (a língua da tribo). Metáforas, que dependem inteiramente da língua e da cultura da tribo, não são sequer traduzíveis para outras línguas (ou tribos) humanas (“It’s raining cats and dogs”, mas não “Está chovendo cães e gatos”).
35. Explicar uma metáfora depois de a metáfora ter sido criada, compreendida e adotada por uma tribo e sua língua não explica a criação de uma nova metáfora compreensível e adotável por uma língua e uma tribo (o que depende de toda sua história e herança linguístico-cultural).
36. Somente uma certa tribo pode criar metáforas para uma certa tribo (não importa o tipo de tribo, como as urbanas).
37. Um algoritmo pode associar facilmente qualquer substantivo a qualquer substantivo, como “névoa de marmotas”. Ou “brejo de vacas”. Dessa pletora aleatória (porque pletórica e aleatória) farão sentido as associações que se aproximarem de uma metáfora humana prévia em uma dada língua (“A vaca foi para o brejo” [mas não “The cow went to the swamp”]).
38. Metáforas são (quase) pura semântica: uma complexa e sutil operação de deslocamento semântico através do anti-intuitivo deslocamento deliberado, motivado e consciente de significantes para significados imprevistos.
39. A semântica é a área em que as máquinas (ao contrário da sintaxe) mostram suas maiores limitações (porque sintaxe é posicionamento, semântica é significado – também existencial).
40. Metáforas são operações semânticas realizadas via sintaxe. “Ela é um anjo” não significa que se trata de uma mulher caída do céu. “Significa”, isto é, implica que no lugar sintático da palavra mulher se pôs uma palavra de outro significado (ou outra semântica): a palavra anjo. O resultado é quase o equivalente semântico a “ela é como um anjo”. Quase, pois se fosse apenas isso, a metáfora seria somente outra forma de comparação, e sequer seria necessária; não teria, portanto, sido criada. “Ela é como um anjo”, apesar de mais explícito, é, paradoxalmente, também mais ambíguo: pode ser interpretado como “ela tem asas”. A metáfora, ao contrário, apesar do deslocamento semântico-sintático, é inequívoca, justamente ao se constituir na figura complexa a que damos o nome de metáfora. Se “ela é um anjo”, mas não pode ser, de fato, um anjo (e ter asas, por exemplo), só resta um, e um só, significado: ela é o equivalente a um anjo. Ela portanto é, de fato, apesar de não sê-lo, e, na verdade, justamente por não sê-lo, uma espécie (a única possível) de anjo. A metáfora é o desvelamento de uma possível verdade para além da verdade possível.
41. As possíveis verdades humanas são humanas, mas não exclusivamente humanas. Outros animais (incluindo outras espécies humanas [erectus, neandertal, denisovanos etc.]) as compartilham no todo ou em parte.
42. Computadores, que não são vivos e, portanto, não são mortais nem podem imaginar ou temer a morte (ou imaginar), não podem saber (ou imaginar) o que é um anjo, ou seja, do desejo, da angústia e da necessidade de imaginá-lo, porque semelhante a um humano, mas imortal.
43. Sem empatia não há metáfora (em que pese a recente transformação do primeiro termo em um insuportável clichê das redes sociais).
44. Sem dor e temor da morte não há empatia (eu sintopenso a dor que o outro deveras sentepensa [“O que em mim sente está pensando”]).
45. Deem-me um computador capaz de dominar integralmente as inumeráveis ressonâncias sócio-psíquico-linguístico-histórico-semântico-mnemônico-existencial-culturais de uma “simples” metáfora (ou de um ser imaginário – ou de o imaginar), além de capaz de sentir empatia, temor e dor, e eu me casarei com ele.
46. A metáfora – como a ironia, o duplo sentido, a paráfrase, a referência cifrada, o trocadilho, o jogo de palavras – é uma espécie de private joke, só compreensível pelos membros do bando, o que é o mesmo que dizer os membros-herdeiros da história e da cultura do bando. Esse bando é constituído por seres humanos.
47. Se e quando humanos deixarem de ser humanos, pelo tipo e grau de integração com as máquinas, humanos deixarão de ser humanos. A poesia deixará de ser poesia. O ludismo será redimido.
48. Enquanto isso, a poesia (não restrita à metáfora, tampouco à capacidade computacional) estará a salvo da futura e próxima irrelevância humana (o “precariado”), determinada por robôs e algoritmos. A humanidade ainda não será extinta, mas se tornará em grande parte irrelevante, como hoje a poesia.
49. Uma minoria da maioria dos “novos irrelevantes”, por qualquer motivo ou motivação, ainda se dedicará à poesia, que não depende de tecnologias além da tecnologia cultural da sintático-semântica e da instrumental da escrita.
50. A poesia talvez seja uma das poucas capacidades humanas a se salvar da grande perda distópica final.
Conheça 4 poemas de “Impressões do Pântano”:
canção de setembro
quando tudo morreu
de tudo escorreu lenta
seiva
negra
como lodo
que fora espesso
como sangue quase
coagulado
menos
seca
do que o líquen
mais
líquida
do que o mofo
fina
como o brilho
de um espelho
escura
como um véu
de veludo
um longo, longo tempo
sua sombra de manhã
a lhe seguir
entre setembro e março
seus cabelos de ouro
mas diminuem os dias
seus cabelos de cinzas
ao chegar abril
sua sombra à tarde
se erguendo ao seu encontro
foi quando lhe mostrei o medo
naquela penumbra azul
sobre a cidade
o ritmo rápido de reprodução dos ratos
é uma ameaça
uma aliteração
uma metáfora:
a cidade
arde em labaredas frias
de lixo flamejante
entre rastilhos de roedores
e incêndios de gente
formas
de dores
agentes
da doença
a peste
a praga
a morte lenta
e rápida
habitam a cidade
seus habitantes
e seus hábitos
de se reproduzir como ratos
em poças de ânsia ácida
secos de indiferença
no fundo de um ninho de máquinas
o sol opaco
no céu de chumbo
minuto de paz num spa diminuto
na porta do banheiro
estava escrito:
“uso exclusivo
para portadores
de necessidades especiais”
então, destemido, entrei
enquanto expunha o pinto
sem nada de especial
fora a quantidade de mijo
acumulado
por um lento labirinto
de ruas longamente
alagadas de gente
pensei que esse banheiro
além da placa
não tinha nada
de exclusivo
era o lugar mais inclusivo
de um mundo sem ninguém
sem necessidades
bem especiais
de todo tipo
umas poucas
corporais
muitas outras
existenciais
flatulentos crônicos
de ideias gasosas
obesos mórbidos
de desejos e erros
quebrados pela leveza
insuportável do tempo
faltos de olfato
para a imensa merda do mundo
mudos de medo
(fora um velho vegano
abre os braços em flor
à chuva de luz do sol)
a vida sempre causa danos
o refúgio rápido
mas tranquilizador
de um banheiro exclusivo
(só entram um corpo, uma alma e seu sofrimento)
a solidão e o silêncio
passageiros
mas duramente seguros
(a porta larga trancada por dentro)
tudo ali alivia
algo além
da vã fisiologia
a porta e sua placa
agora a entrada
sem saída
para o mundo
funk
tive uma ideia do caralho
(ao menos para um cu de um heterossexual):
vou cortar fora meu pau
e também o saco
que acho
que não acho
que não tenho mais
não é nada disso
o que as mulheres querem afinal
parece que freud disse
e se nem ele
sabia
(por que saberia?)
desisti de saída
mas eis que de repente
eu sei:
tudo
o que quiserem
inclusive
não querer saber
por que então não arrancar
o ramo e a raiz
do mal
estar?
fora
os grandes ganhos colaterais:
vou mijar sentado
num leve doce e dourado
chafariz
transcis
as mulheres cisgênero
algo infeliz
de assim ser
porque ser assim
terão todo o enorme
mercado de consolos
para se consolar
também iniciaria
um comovente movimento
contra a pura e dura
indústria hiperultramegapóscisfalocêntrica
de viagras e cia.
abaixo os paus
duros como pedras
porosas e macias
a mais potente impotência
masculina
o estado de arte
da última gota
dessa porra toda
da cultura ocidental
Luis Dolhnikoff é autor dos livros de poemas Pãnico (São Paulo, Expressão, 1986, apresentação Paulo Leminski), Impressões digitais (São Paulo, Olavobrás, 1990), Microcosmo (Olavobrás,1991), Lodo (São Paulo, Ateliê, 2009) e As rugosidades do caos (São Paulo, Quatro Cantos, 2015, apresentação Aurora Bernardini, finalista do Prêmio Jabuti 2016). Publicou ainda os volumes de contos Os homens de ferro (Olavobrás, 1992) e de poesia para crianças A menina que media as palavras (São Paulo, Quatro Cantos, 2013). Tem poemas publicados nas principais revistas literárias brasileiras, impressas e eletrônicas, além de Tsé=tsé 7/8 (número especial com 30 poetas brasileiros contemporâneos), Buenos Aires, outono 2000; Hipnerotomaquia, Cidade do México, Aldus, 2001; Ratapallax 11, New York, spring 2004; Mandorla – New writing from Américas 8, Illinois State University, 2005. Traduziu Arquíloco (Fragmentos, São Paulo, Expressão, 1987), James Joyce (Poemas, São Paulo, Olavobrás, 1992, com Marcelo Tápia), W. H. Auden, (Mais!, Folha de S. Paulo, 06/07/2003), Miguel de Cervantes (Mais!, Folha de S. Paulo, 14/11/2004, com Josely V. Baptista), W. B. Yeats (Etc, Curitiba, jan. 2005), William Carlos Williams (Sibila, 2011), Allen Ginsberg (Uivo, São Paulo, Globo, 2012 [versão integral]) e G. W. Plaut (Torá – um comentário moderno, União do Judaísmo Reformista – América Latina, 2014-2019, no prelo). Com Odile Cisneros, da Universidade de Alberta, Canadá, prepara atualmente uma antologia de poesia canadense experimental para a editora da UFSC. Ao lado de Haroldo de Campos, co-organizou, entre 1991 e 1994, o Bloomsday de São Paulo (homenagem anual a James Joyce). Integrou a exposição A Palavra Extrapolada, São Paulo, sesc Pompeia, ago.-set. 2003, curadoria Inês Raphaelian, e a mostra Desenhos, Museu Oscar Niemeyer, Curitiba, mar. 2005 / Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, set.-dez. 2005. No mesmo ano, recebeu uma Bolsa Vitae de Artes para estudar a obra do poeta Pedro Xisto. Em 2015, organizou e editou Poesia Completa, de Orides Fontela (São Paulo, Hedra). Como crítico literário, colaborou, a partir de 1997, com os jornais O Estado de S. Paulo, A Notícia, Diário Catarinense, Gazeta do Povo, Clarín e, recentemente, Folha de S. Paulo, além das revistas Sibila e Babel e das publicações eletrônicas Sibila, Germina, Digestivo Cultural e TriploV (Portugal). Entre 2006 e 20014, foi colaborador de política internacional na Revista 18, do Centro de Cultura Judaica de São Paulo.