Noturno para Curitiba: Leopoldo Comitti

ilustração; Nani Gois
Pantufas almofadadas
flutuaram sobre Curitiba.
O ruidoso estrondo do final 
do dia, rápido e animal
já se foi, caridosamente, há muito .
Alguém bate chinelas, em meio
a um rufar de lençol aflito,
no apartamento acima,
discretamente. Depois, silêncio.
Um zumbido permanece
vindo da janela aberta.
Algo ainda vive e cresce
na cidade quase morta.
Um cão ladra na esquina.
Só. Os passos já cessaram, ligeiro;
e dos chiados dos pneus,
deles resta somente o cheiro
de borracha, em meio à neblina.
As luminárias lançam, afoitas,
luzes inquietas, débeis e dúbias
sobre o calçadão molhado,
sobre o espalhar de ruas,
pelo chão úmido e amortalhado.
Garoa. Silenciosamente, garoa.
Curitiba jaz inerte
como uma tumba florida.
Não há lua, só a rua
meio suja dos despojos
do dia que se fez noite.
Nenhuma cena de cartão postal,
apenas o brilho orvalhado
e um bêbado dormitando
ao relento. E o vento vem
e me embala. Saio da sala
e me deito. No leito quente,
adormeço, devagar, fecho a mente.
Leopoldo Comitti

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