Poemas compilados dos onze livros, ao longo de 25 anos, de Sammis Reachers – Parte 1

Créditos do autor


Apologia D’Eu

Eu também vendo balas
na rua
Eu também
Finjo não saber nada
Disso
Eu abro uma guerra
Com uma espada em seu peito
Eu fecho a guerra
Com um único beijo
Minha noite
Tem mais lobos

Do livro São Gonçalo de Todos os Santos (1999)


Forte do Gragoatá

O sol se põe
E para trás, para a paisagem
Que vai perdendo o valor que o Sol
Empresta
Tudo vai ficando morte e turvo,
Sinistro, mas sem o laivo de terror
Que essa palavra oferta, sinistro
Por não lhe haver outra palavra que caia.
E não importam mais a altura e altivez
Dos edifícios, a arquitetura de esmero,
A ousadia ou o cio:
Tudo como que descai de beleza e valor
Ao pôr do Sol.
E compreendo, nosso pequeno Sol é uma prova
Que se alteia e brada: Por mais que façamos,
Sem a luz de Deus não somos nada.

Do livro Uma Abertura na Noite (2006)


Semi-Parábola dos com-Deus e dos sem-Deus

Em águas de Maio
Atlântico Sul
uma linha rasga
o lençol de azul
Fragata que
langorosamente
aderna
livre de seus
(alb)atrozes
Trabalha feliz
feliz no seu mar, liberta
das palavras prisioneiras
Em concretos e asfaltos do mesmo Maio
no centro vicinal da cidade de Agnostic City,
Bloco L, 18° andar, sala 1820,
Guichê 12-A
do prédio que abriga o Ministério
das Desconstruções Existenciais Humanas,
uma Turba Civilizatória de Psico-Estruturas Estatais
(TCPEE)*
de Homens em Ternos Cinza
realiza uma auditoria,
averigua o proceder dos
seus quase pares,
os Homens de Ternos em Amarelo.
Cabeças hão de rolar
Cabeças
(já) todas roladas
Quilômetros além
no mar Oceano
Maio
langorosamente
flui
e o sol é farol a mais
aos que navegam com o Cristo.

Do livro A Blindagem Azul (2007)


A Náusea

1942
Num espelho encardido afixado
Numa moldura Luís XIV
Vislumbro em seco recorte
o meu vazio e o vazio
De meu quarto, encardidos
Este charuto, este rosto cansado e míope
É como Jean-Paul Sartre?
Uma semana sem Simone, sem
Notícias, sem concluir uma página sequer
Sorvendo a maresia nauseante
De todo o absurdo, este, o Todo
Absorto em resistir, em construir
Um mundo dentro da Europa-
um
-quarto
frio

A Guerra freme mas me talha esta sensação
De que o tempo, inábil, esculpe os homens em tédio
Tentando forçar uma neutralidade artificial
Que não existe, não pode existir

Estamos aqui, um triálogo
Entre o Absurdo e o Ego e a Morte,
A Morte monologal

Hoje
ao descer para buscar a correspondência
Vi a filhinha do casal ao lado, os marroquinos
As crianças não costumam sorrir-me,
Mas havia,

Um sorriso constante–teimoso sempre no rosto dela,
Sempre
Como algo vermelho rompendo uma muralha
Por um instante, naquele momento-bouquet
eu vi cores caudalosas lampejarem
Nesta semana cinzenta.

Do livro Poemas da Guerra de Inverno (2012)

Sammis Reachers (Niterói, 1978) é poeta, escritor, antologista e editor. Autor de 12 livros de poesia, cinco de contos/crônicas e um romance. Organizador de mais de 50 antologias. Professor de Geografia habilitado também em História e Artes, além de bibliotecário.


Respostas de 2

  1. Espiritualidade, transcendência, caos, coletividade idiossincrática e dia a dia particular são alguns dos principais norteadores destes poemas de Sammis. Poesia que se releva sem se revelar, como um vaga – lume, um túnel, uma rua qualquer onde nossa visão já não a alcança. É que só somos leitores quando não sabemos, para o muito sentir e a poesia mais viva é a que não se prende no que há.

  2. Em meio a miscelânea poética do nosso tempo, que em boa parte é feita de meras narrativas ideológicas e secularistas que se retroalimentam, ou meramente firmadas na exacerbação do “eu”, resultando no vômito que o cão volta a comer, a obra de Sammis se destaca pela inventividade e pela ousadia, em especial, da temática cristã, expressa de forma contundente e com voz própria, inconfundível.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *