Agora está mais vazio. Num ir e vir inútil, um homem caminha pelo corredor. No fundo há uma porta branca e sem maçaneta. No extremo oposto da sala, tem outro homem, de pé, bem perto da porta que dá para o lado de fora, o corpo apoiado na parede. No centro, cinco longarinas com cinco assentos em cada uma delas. Apenas três deles estão ocupados. Na cadeira mais à esquerda da última fileira, considerando a primeira aquela que está mais próxima do corredor, está sentada uma mulher que tem a cabeça baixa. Parece que ela chora. Na segunda fileira estão o velho, que ocupa o terceiro assento da direita para a esquerda; e o moço, o último a chegar e que, tendo o cuidado de deixar um espaço vazio entre ele e o velho, assentou-se no quinto assento.
A porta que dá para fora se abre e a luz que incide sobre a sala forma um feixe diagonal iluminando a quinta cadeira da última fila, aquela onde está sentada a mulher, a quarta cadeira da quarta fileira e assim sucessivamente, até chegar ao primeiro assento da primeira fileira. É como se o feixe formasse, ele próprio, uma sexta longarina unindo os assentos com a luz solar. O homem que caminha pelo corredor estanca, o outro se desencosta da parede, o velho e o rapaz se viram para o lado da porta. A mulher, alheia à luz, continua olhando para o chão. Não estou bem certo se ela chora. Por alguns instantes, é só o feixe de luz. Nisso, entra um menino com passos trôpegos e o rosto sonolento. Deve ter uns dez anos. Ele observa o ambiente com desinteresse, dá um bocejo e vai se sentar ao lado da mulher que, parece, não nota a sua presença. Uma vez assentado, o garoto cai instantaneamente num sono profundo. A porta se fecha e a sala torna a ficar com a iluminação precária e amarelada de uma lâmpada incandescente.
– O senhor é o próximo?
– O próximo é aquele ali, no corredor. Cheguei pouco antes de você. – responde o velho ao rapaz que está sentado.
– Faz quanto tempo que o senhor está aqui?
– Uns quinze dias. Você chegou semana passada, não foi?
– Sim, amanhã completam dez dias.
– Hum. E isso aí? – o velho aponta com a cabeça para a ferida que se estende por toda a coxa direita do jovem e
parece que está começando a necrosar.
– Acidente de carro. A perna ficou presa nas engrenagens.
– Mas… é por causa disso?
– Da perna? Não. Teve mais coisa.
– Mas não dá pra ver.
– Já cicatrizou. E o senhor?
– Nada de mais. Só velhice mesmo.
A porta branca se abre e de lá de dentro, numa voz quase inaudível, alguém pronuncia um nome. É a vez do homem do corredor. Ele, por um instante, detém os passos, volta os olhos para a porta de saída. Depois, segue para o lugar de onde saiu o chamado.
Há uma janela na sala, mas está emperrada. Já tentei de tudo e ela não abre. Agora, acabaram de anunciar o nome do sujeito que está de pé, em frente à porta que dá para a rua. “Agilizaram o atendimento?”, graceja o rapaz da perna necrosada. Ninguém ri. O próximo da lista é o velho, em seguida, o jovem do acidente de carro, depois a mulher que chora. Então, serei eu. Se até lá não chegar ninguém, o menino ficará sozinho, dormindo profundamente na sala de espera dos mortos.
Betzaida Mata é historiadora, professora e escreve livros de ficção. Nasceu em Campinas-SP, em 1977 e vive em Belo Horizonte-MG, desde 1979. Seu livro de estreia, o romance O fundo e a luz (Ed. Kazuá, 2015), recebeu menção honrosa nos Prêmios Literários Cidade do Recife – 2010 e foi um dos classificados no concurso Sweek Stars, 2017. Diário do Aço (Ed. Penalux, 2019), o último livro que publicou, narra contradições, delírios e desencontros do Vale do Aço, região siderúrgica de Minas Gerais.