Exsicata – Bruno Ítalo – São Paulo: Editora Reformatório; 2023.
Exsicata é uma amostra de planta prensada para estudo; uma forma de guardar uma flor ou folha e sua cor pelo máximo tempo possível. As pessoas que trabalham com Botânica, armazenam as plantas em um determinado sistema de classificação biológica.
O primeiro poema escolhido fala da transitoriedade do tempo, o tema da exsicata, como dito acima. Para isso, utiliza a metáfora das vírgulas na areia para representar a busca por pausas no vazio da vida. O verso “parece mesmo tão bonito o que o mar destruiu” indica a beleza na efemeridade das coisas.
VÍRGULAS
à beira do infinito
desenho vírgulas na areia
como quem ainda quisesse
cavar pausas
no vazio
vidro olhos nos rastros
arruinados
pelo tempo
parece mesmo
tão bonito
o que o mar destruiu
Lemos no poema abaixo, uma visível admiração pela pessoa amada. O sujeito lírico usa metáforas cósmicas para enfatizar a grandiosidade dos seus sentimentos. O Universo conhecido é mesmo sem tamanho… A dualidade entre o “tão pequeno” e o “tão celeste” exprime essa complexidade. Novamente tenho de dizer sobre o lançamento do livro, em que o filho pequeno do escritor leu esse poema. E o menor deles também falou, pois não é alfabetizado. Foi muito emocionante.
GALÁXIAS
como me impressiona
o lado negro
dos teus olhos
muito me comove o Cosmos
na expressão de tua face luminosa
vejo infinitas galáxias
nas espirais dos teus cabelos
caio em buracos negros
quando te sinto respirar
e é tudo tão pequeno
tão simples
tão arcano
tão celeste
tão mundano
que eu me encontro suspirando
por tão pouco saber
por tanto mais acreditar
O poema abaixo fala sobre temas de nascimento e renovação. As imagens de “berço” e “último” sugerem ciclos de vida, enquanto o “parto” e o “filho que chora” apontam a ideia de renascimento. O verso “curto infinito do muro” simboliza a barreira entre o mundo conhecido e o desconhecido. Acho que posso dizer que este poema e o anterior foram feitos para os filhos do escritor.
VERTER
o peso do rosto no berço
o lastro no fundo do poço
que guardo
que embalo
que deito
o átrio no pulso do agora
o vórtice da vida em desforra –
a lágrima enfim já não dura
o parto – a chegada do porto
do sangue que dobra nas veias
do dia que a noite semeia
no viço do filho que chora
vertendo espaços no tempo
no ver-te
no ter-te
em tudo
o curto infinito do muro
que corta o mundo lá fora
O poema ‘Metaverso’ reflete sobre a percepção sensorial, como a experiência é transitória ao tentarmos capturar a essência do instante. A ideia da exsicata está sempre presente, mesmo quando não fala sobre fixar o tempo. A efemeridade do momento presente também é dita, como por exemplo, “logo some/ feito flúmen”. A metáfora do “sol trêmulo farol” indica a busca pela iluminação espiritual.
METAVERSO
mais que o arrepio do toque na pele
a ponta dos dedos consome o agora
que fulgura na aurora
e logo some
feito flúmen
no ralo da vertigem
mais que o arrepio do toque na pele
ergue-se em cada cabeceira
um sol
trêmulo farol
da nova nau etérea
O poema abaixo indica que a verdadeira criatividade somente surge quando enfrentamos a página em branco. O “garoto” pode ser uma metáfora para o poeta, que precisa começar com uma folha em branco e permitir que a inspiração surja. Tudo tem um começo.
PERTURBAÇÃO DE MARÉS
esse garoto que me olha
esperançoso
feito o poeta que diante
da folha vazia
vislumbra o verso final de um poema
há um dia de entender que a obra pronta
nada vale sem a folha em branco
Poema que dá nome ao livro, Exsicata, que fala da fragilidade da vida. A folha seca que resiste representa a memória que persiste mesmo diante das adversidades. Mas agora está prensada, do modo como os biólogos fazem. O próprio escritor
aprendeu a fazer nas aulas de Biologia. Além disso, ele fez os quadros com exsicatas para o lançamento do livro. São Lindos. Procurem ver no seu Instagram.
EXSICATA
aperto o passo e ainda assim carrego
presa ao sapato
a folha seca e quebradiça
arrasto a sola
chuto a porta
dou três pulos
impávida, resiste
de repente, a percebi triste
crepitada ao sol – antes fonte
lançada ao solo – antes forte
tangida pelo vento que a embalava
veio a mim buscando novo tronco
nova raiz
orvalho – quem sabe
agora conservo seu limbo prensado
nos versos de um poema
O poema abaixo merece uma atenção especial. Ele explora a relação entre o aprendizado e a sabedoria, com o “mestre” representando a autoridade intelectual. A imagem do “monge” com “olhos monolíticos” e a referência à morte falam da transcendência da sabedoria além da vida física. O escritor nasceu e mora no Piauí, local de inscrições rupestres (no Parque Nacional Serra da Capivara foram descobertos mais de 900 sítios, dos quais 650 com arte rupestres) e monólitos, como o de São João do Adelino.
MONÓLITO
o monge
com olhos monolíticos
em suas roupas de linho branco
fitava-me com seu riso mudo
o sábio
de gestos monolíticos
flagrava-me silencioso
em sua oficina medieval
com moldes de gesso
e vozes de bocas mortas
o mestre
de palavras monolíticas
não esmagava o ímpeto infantil
do menino audaz
que lhe repetia perguntas
entre revelações seculares
e profecias apocalípticas
o médium
máximo
trazia outra bisnaga quentinha
enrolada em papel de pão
naquela madrugada
distante
um telefonema
distante
anunciou sua partida
[morreu como passarinho]
sublimara-se o anjo
de ralas penas brancas
e etéreas asas de pedra
O poema abaixo lida com a dualidade entre a experiência pessoal e a subjetividade. A imagem da lágrima que se desmancha em pegadas simboliza a transformação das memórias pessoais ao longo do tempo.
PARALAXE
feito a lágrima no rosto
que se desmancha em pegadas
no caminho rumo ao abismo
ao final da facestrada
eis a paisagem distante
erigida por memórias
que desfaço enquanto lembro
da vertigem da viagem –
pálida réstia de sol
O último poema segue a forma tradicional do haicai japonês, capturando um momento simples na natureza. E não podemos falar que no século XXI que o haicai “evoca” uma imagem, pois o escritor mostra também haicai e vídeo. Podem conferir no seu Instagram. Esse poema fala sobre a conexão entre as margens do rio através da ponte, mas também sobre a fragilidade dessa ligação.
HAICAI
pontes sobre o rio
ligam margem a margem
um só precipício
Bruno Ítalo nasceu e reside em Teresina-PI. Fez pós-graduação em Direito e atua como servidor público. Publica poemas, vídeo-poemas, haicais, contos e crônicas nas redes sociais, no seu Instagram @bispoesias. Também pode ser encontrado em portais, revistas, jornais e antologias. Em 2022 venceu o 7º Prêmio Inglês de Sousa (Poesia Nacional); foi finalista do Prêmio Poeta Carvalho Júnior (Poesia) e da 3ª Edição do Prêmio Internacional Pena de Ouro na categoria “Conto”; premiado no 37º Concurso Literário Yoshio Takemoto, na categoria “Crônica”. Exsicata é seu primeiro livro.
Solange Firmino – Rio de Janeiro (1972). Tem Licenciatura em Português e Literatura pela UERJ. Trabalhou com Jardim de Infância, Ensino Fundamental, Ensino Médio e Sala de Leitura em Escola Municipal e Estadual do Rio de Janeiro. Venceu o Prêmio Literário da Fundação Cultural do Estado do Pará com um livro de haicais e o 2º lugar no Prêmio da Biblioteca Pública do Paraná, na categoria Literatura Infantil. Possui 7 livros de poesia publicados.