
Imagem do chatgpt alterada por Ia
Já faz um tempo que eu adquiri o estranho hábito modinha do momento de correr na rua. No entanto, eu não sou todo mundo, já diria minha mãe, e quando me proponho a fazer algo, faço de forma obstinada e assim comecei correndo simbólicos 3 km duas vezes na semana e aos poucos fui aumentando, aumentando, aumentando e hoje corro 3 vezes na semana. Uma vez 15km, outro dia 6km e para fechar a semana com chave ouro, nos sábados, corro 21km. Para minha personalidade inquieta a corrida é quase como uma meditação em movimento. É nela e na solidão dela que coloco meus pensamentos em ordem, monto projetos, escrevo crônicas tudo no rascunho mental.
 
Eis que há duas semanas atrás fui correr meus 15km habituais, cedinho em uma terça -feira. Quando fechava os primeiros 5 km, senti que estava sendo seguida, dei uma leve virada de cabeça e ao meu lado surgiu uma alegre e saltitante cachorra caramelo, vira – lata com biotipo de galgo. Como sou muito bicheira, evitei o contato visual, mas percebi que ela seguia me acompanhando. Quando fechei 10 km fui obrigada a tirar uma selfie e mandar pro meu marido dizendo: “Ela me segue faz 5km”. Continuei correndo, pensando, daqui a pouco ela desiste, cansa. Quando já estava fechando 14 km mandei uma áudio para meu marido avisando que a cachorra continuava me seguindo. Comecei a ficar com vergonha dos pedestres, porque ela ia nas pessoas, cheirava, se intrometia e via eu me distanciando e saía correndo atrás de mim, como se de fato ela fosse minha e eu não a conduzisse na guia. Acabei os 15 km e ela abanava o rabo ao meu lado. Eu ignorava, afinal já temos dois gatos e uma outra cachorra. Comecei a caminhar para casa e ela, plena, com dois palmos de língua para fora, me seguia. Cheguei em casa, abri o portão e ela entrou. Depois de 15 km eu precisava pelo menos oferecer uma água para a corredora. Como sou uma pessoa honesta, fotografei a bicha e divulguei pelo bairro, mas ninguém reivindicou a tutoria da minha atleta canina.
 
Diante disso, imaginei nosso futuro lindo de dupla de corredoras pelo bairro, arrasando. Rápidas no amanhecer, lindas e loiras pelas calçadas. Então, assumi que a cachorra era minha e que protagonizávamos um “Quatro vidas e um cachorro” versão fitness. Assim fomos para nossa primeira corrida assumidamente como uma dupla atlética, tal qual imaginei. Demos dois passos e a minha companheira empacou, chamei e nada, ali ficou. Se negou a seguir. Peguei a golpista no colo, que só correu para ganhar casa e comida, o que é digno e justo e voltamos para casa, com lambidas de consolo, lembrando que a expectativa é a mãe da decepção.

Malvina de Castro Rosa é de Porto Alegre. Escritora, relações públicas e mestra em design estratégico, publicou os livros As loucas aventuras da guria maluca (crônicas, 2013), Paralelos Cruzados (2021), seu primeiro romance, e Crônicas de um fim do mundo antecipado (2023), no qual reúne crônicas do blog semanal que mantém há mais de quatro anos, www.bomdiasociedademachista.blogspot.com. Em 2024, lançou a coletânea de contos Em nós. Atualmente, é editora assistente na Caravana Grupo Editorial, no Brasil, e editora-chefe da Caburé, na Argentina, além de conselheira da revista Vinca Literária