
Imagem de Leonora Carrrington
Contra a melancolia, a olimpolia
Dia desses me ocorreu uma palavra inusitada. A língua tem disso, vai parindo palavras para abarcar o novo ou o antigo que precisava ser dito, ou dito melhor, ou dito em menos espaço. Pois o sonho de toda expressão é resumir-se em uma palavra, feito um alfabeto que “cresce” até virar ideograma. É de sua espécie, feito cobra trocando couro.
No caso que trazemos em questão, seria uma palavra para contrapor a melancolia. Afinal, que palavra contrapõe melancolia, a prostração melancólica, em nossa língua? Euforia? Não, deixe a euforia lá, descabelada e se divertindo com as amigas. A melancolia é mais profunda e resiliente, precisa de uma contraparte a seu molde. E eis olimpolia. Sim, de Olimpo, aquele monte grego, suposta morada de deuses ruins (humanos demais). Mas o sentido de solaridade que o termo Olimpo, olimpiano, e suas variantes derivativas como olímpico trazem, é incontornável. Assim, olimpolia seria aquele sentimento de positividade não-piegas, não tóxica (recentemente descobrimos: há toxidade na bobice demasiada, na bondade mimoseada em paramentos de vulnerabilidade). Olimpolia não é alegria, que é até mais pura, atávica, mas acabrunhada de fragilidades. É uma virtude a ser mantida conscientemente, sustentada, um ethos exercitável.
Sejamos cristalinos: Olimpolia é um otimismo despido das frescuras (opa, um termo quase proscrito por aí).
Um estoicismo que sorri. Sim, pois menos resignado, um ponto menos grave.
Uma euforia disfórica.
Nietzsche, louco ou antes de enlouquecer, falava de vontade de potência. Olimpolia seria exercício de potência, e sua contrita, mas firme celebração.
A skatista que perde o ouro, mas sorri feliz, exulta até (exulta: exatamente aqui está a olimpolia), com o acerto da adversária/colega. Jovem, mas senhora de si, do que é maior, plena das/nas coisas mais importantes. Derrotada, mas senhora de uma outra vitória, difundida na amplitude.
Como poeta, acreditei sempre que há palavras escondidas dentro da luz: Olimpolia é uma das que precisamos. Seja bem-vinda.
Dia de Eleição
Dia de eleição é dia de catarse. De expor amigamentos e odianças por esses que o jogo político arregimenta, esses que, por pudor nos negamos a dizer, mas no fundo – sejamos nós letrados ou humildeletras, enricados e pés-de-pano – sabemos que são os piores de nós…
Dia de eleição é dia de desnudamentos, de sangria dos ânimos, de expor os radicais e seus monóculos, sua tobas de ver o mundo por um só viés. Esses de direita e esquerda, em seus extremos tão perigosos – mas não haveria jogo sem eles, afinal, os fominhas da bola.
Dia de eleição é dia de melancolia, e isso nenhum poeta, dos seis mil que conheço ou ao menos tolero, já aventou: Dia máximo de melancolia, ao revisitar velhos caminhos e seções, ao rever rostos de anos, infância até, estudos juntos, trampos, sopapos e beijos trocados.
Dia de eleição é dia de cidadania, essa obviedade central & inescapável, frenética em seus entra-e-sais quase copulosos, pois desse seu coito na urna, hoje botãonizada, nasce o rebento que nos resguarda, a democracia – mais que este ou aqueloutro ator canastrão que ocupar o cargo que lhe confiarmos.
Dia de eleição é dia de suspense, riso e lágrima, apuração de samba e final de copa, suspiros ou expiros de sonhos, projetos, construtos de luz ou maquiavélicas maquinações. E acerto de conta$, que o correligionário também come, afinal.
Dia de eleição é dia de socializar – e orar, debater, biritar, conforme a cultura da aldeia: Preocupações ou despreocupações se carnavalizam, entrechocam e abraçam – o outro feito nós na sujeição ao sistema que nos comporta, renovação de ciclo, refundação tumultuosa de nosso pequeno grande mundo citadino.
O enfado, a esquina, a amizade – E o sentido da vida
Aquele dia melancólico, sorumbático, réstia de forças esvaídas. Uma sexta-feira, quem sabe? Um dia enfadante de lidar com enfadantes. De lidar consigo, pois contrário ao que errou Sartre, que dizia que o inferno são os outros, o inferno é o espelho. Ou o primeiro deles.
Aquele momento quando a vida fica esvaziada de sentido, esse sopro pueril. Contando as horas para o fim do expediente, para ir para casa – mas que há em casa? Os mesmos afazeres, projetos e hobbies.
Você sai do trabalho num qualquer centro urbano – Niterói, talvez –, come umas esfihas, pois nem almoço tenciona preparar. Desce do ônibus em sua periferia gonçalense – ou outra à sua escolha –, avança cabisbaixo pelas ruas, torre de melancolia que sinistramente respira e anda. E então, numa curva de esquina, entre uma e outra barricada, encontra um dos velhos amigos. De repente, depois de tanto tempo – nas amizades verdadeiras, você sabe, o tempo é ainda mais relativo que na teoria de Einstein –, num horário tão improvável. A conversa – essa corda invisível de fundar aldeias – se inicia: o crime, a política, a pouca-vergonha, a graça e misericórdia de Deus, fulano que enfartou, coitado.
E eis que um outro amigo, também de infância e sempre, vem pela mesma rua. Três destinos que há tanto se contemplam, e que em muito já marcharam juntos, em asfaltos e lamaçais, trampos e tretas. E a conversa agora é uma explosão – gargalhadas e mímicas, eventos sujos e hilariantes que só os homens sabem – vergonha nossa! – relatar, anedotas e saudades preenchem duas horas de três homens, em pés numa esquina.
E você vai embora, mas agora a vida, essa vacuidade, está plena de sentido, transbordante de razões para ser.
Se o inferno é o espelho, é sempre o próximo quem poderá quebrá-lo.

Sammis Reachers é licenciado em Geografia e História e graduado em Biblioteconomia. O niteroiense Sammis Reachers é também escritor, poeta, editor e antologista. Autor de dez livros de poesia, quatro de contos/crônicas e um romance.