14 poemas de Luís Augusto Cassas



A
BARBA
   
touceira
de espinhos
incrustada
de sóis e estrelas
ou
arame
farpado espetando
luas
prateadas a barba
cresce
como
urze
nos
rochedos
em
direção ao sentido
que
a sustenta
rumo
a misteriosa voz
que
muitos julgam extinta


a
face do homem
em
que ela habita
liberta-o
do
pesadelo
de
ser vários
enqto
os
grossos fios
seguem
o fluxo da seiva
erguendo
densa
folhagem
(houve
épocas
em
que pardais e insetos
faziam
ninhos
p/
celebrar o sol)

quem
a convidou
a
crescer entre
tradição
e transgressão
desaprisionando
o
impulso espiritual
do
mistério
que
veste/despe
o
rosto torturado
ou
renascido
louco
do tarô
insólito
tzadik?
  
(ecos
de rugidos
leões
das tribos
de
judá metro
nemeia
ou zimbabwe
ecoam
nas
savanas de deus
despertando
o
poder da força
que dorme
na
juba
retornando-o
ao
caminho
extraviado)

caminhar
na multidão
(o
leão rondando
o
acampamento
à
caça de símbolos)
dava-lhe
o pertencimento
da
humana condição
mas
a arte da procrastinação
cerrou-lhe
o acesso
às portas
de todas
as
moradas
(e
os homens
pássaros
e
insetos fugiram das
folhagens)

agora
arrependido
consciência
eclipsada
aguarda
o retorno
da
luz
que
o libertará
da
fragilidade
de
plantar raízes
num mundo estranho
que
nunca o reconheceu
cobre
o rosto
e um
rio sujo
lava-lhe
a barba
expiando
a culpa
de
todas
as tradições




A
ALMA DO MUNDO

Tenho
três milhões de anos
e
carrego o peso da eternidade
Resplandece
o ouro em meus poemas
e
habita a prata nos cabelos
mas
é o chumbo que prende
meus
pés ao solo
Cegam-me
as manhãs ensolaradas
Agasalham-me
as noites frias
Volteia
Mercúrio o Demiurgo
em
paisagens do quintal íntimo

onde sou condenado
ao
exílio e à distância
Minha
companhia – o horizonte
Silêncio
e recolhimento
eis
os nomes da minha pátria
Não
há mais campinas acesas
nem
pássaros em minha alma
a
não ser a árvore da vida
que
sustenta a queda do seu fruto
e o
distante chamado do sino
de
uma igrejinha desbotada
Os
guindastes das vértebras
arqueiam-me aos ventos da rua
Meus
passos sonham países
de
distâncias interrompidas
A
sabedoria orquestrada
e a
loucura rediviva
misturam-se
ao rio dos nervos
e
ofertam cálice à serenidade
Quem
sou senão uma nuvem
pregada
contra o céu plúmbeo?
Suplico
a Quíron um tempo de paz
distribuo
pães às ondas
oferto
pétalas ao sol
Em
mim floresce
o
irresistível charme
dos
que vão morrer:
a lâmpada
de cicatrizes
e a
fuligem do sol
Súbito
irrompe a poesia transfigurada
e
atravessa-me com força sutil e alada:
“– Sou a alma do mundo”!



A
CONDIÇÃO HUMANA

quisera
ter sido
melhor
pai
melhor
filho
melhor
avô
melhor
amigo

mas
tudo que me restou
foram
as sobras dos vestígios
as
sombras do inconcluído
a
solidão de sísifo
rolando
a pedra dos mitos

agora
viajo em círculos
buscando
o infinito
e
quando encontro comigo
sou
apenas o exílio
de um planeta escondido

quisera
ter sido
menos
impulsivo
mais
compreensivo
menos
explosivo
seria
menos doído

mas
como teria vivido
a
assembleia dos signos
se
na tensão a céu aberto
ganhou
o apelo o deserto?
palavras: meu doce abrigo




ARTE
DA POESIA

as
tragédias
sempre
amaram os poetas

atraentes
e sedutoras
inoculam-lhes
o negro néctar
escondidas
nas rosas da alma

aumentar-lhes
a imunidade lírica
é
puro gesto compassivo
às
iniciações do espírito humano

portadoras
das mensagens dos deuses
transmitem
o recado das estrelas:
“nada
está concluído” “a vida
é mais alta e mais além”

misteriosa
a palavra mágica
agita
as potências da alma
e
encontra a passagem para o reino:
o
coração da humanidade
  
eis
o segredo do verbo
o
poema
alabastro
de gozo e perfeição
encontro
da lâmpada c/ o sol

os
verdadeiros poetas
não
gostam de comédias:
fazem-nos chorar




AS
FÚRIAS (1)

a
poesia
(como
a epilepsia)
minha
doença sagrada
  
o
espírito
escreve
trêmulo
sinais
e hieróglifos
a
decifrar

investe
possesso
os
ataques elétricos
o
corpo dança frenético
oriente
/ ocidente
alvejado
por descargas
faíscas
contrações
dilatam-se
as órbitas

baixa
o santo
das
profundezas
subjugado o cavalo
  
lança-o
ao
chão
após
o cataclismo
o
poeta
recupera
os sentidos

a
baba
escorrendo
nos
lábios

o
verbo
jorrando
na
página

loucura
gozo
revelação



DIANTE
DO MAR

mestre
do santuário líquido
onde
brincam o ser e o não-ser
em
milhões de partículas de infinito
livrai-nos
do insosso e do inóspito
ante o mistério do vazio



ENCONTRO
COM DEUS EM CURITIBA

a)
deus
marcou
encontro
em
curitiba
na
bela
e
fria cidade
que
a água
jorra
pela
boca
de
um
cavalo
  
b)
era
sonho
de
dalí
estratégia
de
acaso
edição
de
claridade
em
noite
escura
da alma?
  
c)
a
astrologia


eclipse solar
bombardeou-lhe
o
mapa!

a
psicanálise

– a
übertrauman
expôs
os nervos
da
fala

o
anjo lunar


entre raios e trovoadas
apenas
a ação
do
karma!

d)
por
que senhor
de
todos os espaços
não
marcou
o
encontro
no
passeio público
ou
jardim
de
infância
pra espantar
os
fantasmas
e
devolver-me
a
calma?

e)
deus
marcou
encontro
em
curitiba
a
bela e fria
cidade
que
a água
jorra
pela
boca
de
um
cavalo
  
mas
não
foi
em
santa
felicidade



Foto:  Biné Morais

AS
NÚPCIAS INTERIORES

pra
que se cumprisse
a
profecia bíblica
e
não ficasse só
  
casei
comigo
testemunhado
pelos astros
e um
arco-íris de passarinhos
  
unindo
os laços
da
história universal
da
culpa à da ternura
  
sob
o olhar do arcanjo
cumpriu-se
em mim a sua vontade

o
fogo de pentecostes?
a água de maria?

(azuis
estados de consciência
brotaram-me
do jardim interno)

e
fiz da própria costela
nuvem
chama flor cajado
  
(aplaudo
com uma só mão
o vazio)



FOREVER

todo
amor
é
condicional

submete-se
às
estações
do
encanto
  
brinca
de
céu
cresce
no
inferno

fio
de água
desintegra
montanhas
de
egoísmo ancestral

refastela-se
na
sombra
agasalha-se
na
luz

no
espaço aéreo
do abraço

funda
a circunavegação
do
outro

goza
a
autosuficiência
desfalece
no
encantamento
  
santifica-se
na
humildade
debate-se
nas
distâncias
  
por
aceitar
o
frágil e o sublime
percebe
(agora)

a
paz
pode
ser
possível

então
por
não ser rígido
torna-se
incondicional
  
e
vive
para sempre



O
CORAÇÃO VAZIO

Minha
mulher é a luz a mãe da vida
arco-íris
da presença sopro da compaixão
A
que nomeia cavernas e crepúsculos
abastece
de ouro as bigornas
e se
banha noturna úmida de sol

Minha
mulher é a alma flor do sentimento
o
relógio do vento a musa boreal
A
que semeia o coração do tempo
esculpe
asas nas pedras incensa a alegria
reflexo
no cálice concha surreal

Minha
mulher é a terra nua
Bárbaro
moderno fecundo-a
penetrando-lhe
a espada entre as heras
Rolam
pedras seixos rios navios
germinando flores gênios aparições

Minha
mulher é apenas a esperança
a
força da estrela a lâmpada da vidente
Bailarina
descalça nos abismos
bolsa
de valores do sublime
o
olhar é o mais dadivoso e fatal

Minha
mulher chama-se ideal
é a
costela de eva a noiva zodiacal
Benditas
as que vestem as camisolas do infinito
a
utopia a pobreza a felicidade
Senhoras
do alto vinde ao meu peito tropical

Minha
mulher enfim é a poesia
a
violeta descalça o mistério do enigma
o
fruto proibido os destroços do real
A
que me pare lírios e teogonias
e me deixa só com o céu na mão



FIGOS
EM CALDA

Vou
ao supermercado
como
quem procura frutas
na
árvore das estações

Figos
em caldas 630 grs. Ei-los:
sedutores
em sua doutrina verde
espargindo
reflexos cintilantes

Lembro
de Míriam a mãe
diabética
que os lavava
para
libertá-los do veneno
e
apurar-lhes o sabor
  
Herdeiro
da carência insulínica
e do
sentimento trágico da vida
repito
a operação alquímica
misturando
à culpa o humor

E
entre êxtase e contemplação
elevo
o alimento aos lábios
reinventado o gesto com amor



O
ENSINAMENTO SECRETO

Deus
(não sei por que)
quis-me
apenas
para
deleite pessoal

Em
sua sabedoria
barrou-me
o acesso
às
graças do mundo

O
coletivo
foi
minha grande
solidão

Meu
tempo
foi
consumido
em
subir montanhas

Deixou-me
pra
revisar
o livro da minha vida

E
ouvir-lhe os milagres
inéditos
embora desmentisse




SATORI

meu
ancestral
foi
um poema

o
desregramento
dos
sentidos
e a
trilha
da
serenidade-
o campo
de magnólias

os
registros
do
imponderável
libertaram-me
do
desejo de permanência
  
sou
como o pássaro
cuja
gaiola
é o
mundo

mas
bate asas
contra
o céu
na tentativa de salvar-se



INTRODUÇÃO
À ESCURIDÃO

Aceitei
a escuridão
não
mais anseio holofotes
libertando
a treva
com
línguas de iodo
  
Confiante
relaxo as pálpebras
e
mergulho na noite escura
para
acordar renascido
nesta
ou em outra vida

Certo
de que em todos os lugares
por
detrás de tudo
a
luz a luz
a luz jamais adoece



ILustrações: Juliana Kalesonova




Luís
Augusto Cassas
nasceu em 1953, em São Luís do Maranhão, reside em São Paulo. Aos
trinta anos, travou conhecimento com a obra de Carl Jung, I Ching, taoísmo, que
lhe ampliaram nova compreensão da vida e do mundo. Publicou vinte e três livros
de poemas, dentre eles,
A Paixão Segundo
Alcântara, Rosebud, O Retorno da Aura, Ópera Barroca, Em Nome do Filho, Poemas
para Iluminar o Trópico de Câncer, Bacuri- Sushi: A Estética do Calor,

enfeixados em
A Poesia Sou Eu, Poesia
Reunida
, dois volumes encadernados (Imago Editora – RJ, 2012). São obras recentes
A Pequena Voz Interior & Outros
Comícios do Vento,  Maria, a Fortaleza
Sutil que Vence toda Força
e Paralelo
17.


Muitos
poetas e escritores escreveram ou refletiram sobre sua poesia, dentre eles: Marco Lucchesi, Alvaro Alves de Faria,
Ferreira Gullar, Carlos Drummond de Andrade, Josué Montello, Lêdo Ivo, Leonardo
Boff, Ivan Junqueira, Fred Góes, Antonio Carlos Secchin,  Nízia Villaça Antonio Houaiss, José Mário da
Silva, Lêdo Ivo, Fernando Abreu, Monja Coen, Rossini Correa.
A
poesia tem sido o seu bunker, templo, cinema, psicoterapia.

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