sopro
esse silêncio risca a palavra
faísca marca inscreve agasta
a palavra cavalo
o silêncio acavala
arrasta
arresta
fere a ré
o silêncio desdiz a palavra
solda
verbo e voz
língua limalha
a lei
forja
cala
galope
golpeia
o silêncio lê a palavra
açoita reza saliva e serve
rês
pasto palavra
silêncio
ferro e rédea
silêncio cabresto
cabreira palavra
ruminante sal silêncio
berrante
sangue e cálice
as palavras
marcar o rebanho
a escrita na pele
fogo e ferimento
nomear um mundo
ser o dono
carro de boi à espera
ser o silêncio
novas galés
gado e grito
golpe e fezes
curral
heil, hell
fé e rosário de fomes
a palavra fibrila
febre à faca afoga alforria
esse aço líquido nos dentes
desbasta
fado e fardo
o capataz deposto
porteira arrebentada
uma palavra
pasta no mundo
(estoura)
(espuma)
boiada.
mundana
há um silêncio em minhas mãos
as contas, o governo, os golpes, a ratio
as commodities, a febre, os filhos, a casa
o sangue, o cárcere, o cimento, esse silêncio
a palavra
o impossível
há um silêncio em minhas mãos
a renda, a religião, o óleo, o ódio
a desertificação, o pó, golias ressuscitado,
a cal, lázaro que não se levanta, esse silêncio
a palavra
o impossível
há um silêncio em minhas mãos
a lama, a cidade, o minério, a lágrima,
a gente soterrada, a campa, os corpos, a lama
o lodo
a lâmina
holocausto em rio eterno, o arrastar do tempo, esse silêncio
a palavra
o impossível
há um silêncio em minhas mãos
a floresta incendiada, carvão e pasto, o cerco
negra a menina carvoeira dos olhos índios de sangue
fome e arame farpado, terra e tranca, capataz e cães, cova
a palavra
o impossível
há um silêncio em minhas mãos
letras e linhas, lápis e lápide, a escola
as cinzas, a infância, o fogo, a carne, o pasto, o deus, a cerca
o discurso, essa nossa corrupção mais familiar, o boi, esse silêncio
a palavra
o impossível
há um silêncio em minhas mãos
mãos dadas e ruínas de um mundo
o silêncio, sangue, o silêncio
os muros, a palavra, os muros
américa murada, europa murada, mais arames farpados
pessoas esmurradas, paz esmurrada, essa vida esmurrada
mediterrâneo sepulcro – jaz o menino esquecido na praia
sem nome, sem pão, sem pais, sem país, irmão dos peixes
há um silêncio em minhas mãos
uma granada, a indústria, o gás, felicidade e asfixia, o vício
um corpo soldado, metal e remédios para dormir, uma máscara
a insônia, a lei, o orvalho turvo, um corpo à deriva em meus olhos
há esse silêncio em minhas mãos
essas minhas mãos vazias sem um gesto
muitas fomes em uma guerra sem um grito, uma palavra
o golpe íntimo, a casa, o lençol limpo, a minha língua suja de sangue.
Daniel da Rocha Leite é advogado e licenciado pleno em Letras, com habilitação em Língua Alemã. Recebeu, em 2007, o Prêmio Carlos Drummond de Andrade / SESC-DF. No mesmo ano, também pelo SESC-DF, foi finalista do Prêmio Machado de Assis. Em quatro edições esteve entre os escritores do Prêmio de Literatura do Instituto de Artes do Pará. Com o romance Girândolas, em 2009, recebeu o Prêmio Samuel Wallace Mac-Dowell da Academia Paraense de Letras. Entre poesia, romance, contos, crônicas e literatura infanto-juvenil, possui dezesseis livros publicados. Agora, em 2018, voltou a receber o Prêmio Carlos Drummond de Andrade / SESC-DF.
Uma resposta
Tua poesia e prosa marcam sempre! Parabéns!!!