3 poemas de “A chave selvagem do sonho” de Anna Apolinário

 
 
MARIA E A SIBILA

Maria,
teus seios áureos em abismos de seda.
Tuas selvas e relvas, fiações elétricas,
o bosque suculento dos teus beijos.
Tua boca cravejada por escaravelhos cintilantes.
Sigo tateando tuas fomes,
roçando com mãos de relâmpago,
bem dentro do sonho.
As belicosas placas tectônicas carnudas de teu sexo,
doces e furiosas frestas dissolvidas em lava alquímica,
são rochas íntimas mordiscantes,
secretos basaltos famintos fumegantes.
São beijos loucos, legítimos, pestilentos,
diabruras borbulhando em tua boca,
Maria,
devore as carapaças brilhantes dos besouros
lambendo suas asas,
vista a tempestade e o assombro.
Esqueça as migalhas de pão na floresta,
não há retorno.
Rasgue os mapas e o fogo nas páginas.
O inferno é versátil feito criança,
está sempre mudando de lugar
Com um punhado de areia,
dilate as pupilas,
a vertigem é viscosa,
afunde os dedos,
Maria


Medito sobre a lentidão dos sentidos enquanto tua letra muda de lugar no meu corpo

Teus vocábulos são lobos
vociferando nos vãos de minha vigília,
negros chacais riscando sílabas em minha cintura,
percorrendo a cordilheira encarnada
de meus cabelos,
o terraço afogueado de meu ventre,
os precipícios peçonhentos em meu púbis.
Tua letra decifra os mapas secretos,
traçados pelos meus sinais de nascença.
Matilhas de sílabas em tocaia
estilhaçam as mordaças,
conduzem-me ao coração do desvario,
devorando as carótidas do real.
Os poemas são deuses dançantes,
batucando um jazz na algibeira de meu delírio.



Códex

Uma canção toma de assalto a minha boca
e estilhaça a paz que não queremos.
 Dentro da casa que erguemos,
não há mordaça que baste:
o sonho cresce selvagem no sangue.

Um verso acende molotovs na língua,
verve virulenta inventa a rebelião.
Um gatilho para o tumulto,
entre corpos pacatos e obedientes,
um acorde eriça a revolução.




ANNA APOLINÁRIO (Paraíba, 1986) é poeta, licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal da Paraíba, especialista em Língua, Linguagem e Literatura. Produtora cultural e organizadora do Sarau Selváticas (@sarauselvaticas). Estreou em 2010, com Solfejo de Eros (Câmara Brasileira de Jovens Escritores), em seguida vieram Mistrais (Prêmio Literário Augusto dos Anjos, Edições Funesc, 2014), Zarabatana (Editora Patuá, 2016) e Magmáticas Medusas (Editora Cintra/ARC Edições, 2018). Seu próximo livro A chave selvagem do sonho será publicado em 2020 pela Editora Triluna. Participou da antologia Um girassol nos teus cabelos: poemas para Marielle Franco (Quintal Edições/Mulherio das Letras, 2018), da série As Mulheres Poetas na Literatura Brasileira Volume 3 organizada por Rubens Jardim, está presente na terceira antologia das Senhoras Obscenas (Editora Patuá, 2019) e na coletânea Sob a pele da língua: breviário poético brasileiro ( ARC/ Cintra Edições, 2019). Autora integrante do poema surrealista coletivo Las Máscaras Del Aire (ARC/ Cintra Edições, 2020) e da Edição #126 da Agulha Revista de Cultura: Surrealismo e Jovens Poetas Brasileiros I, Edição Comemorativa do Centenário do Surrealismo (1919-2019).

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