3 poemas de Alexandre Martins

Imagem: Naã Ramos



Hoje de madrugada, em Rio Preto,
de um edifício
Não vejo do alto deste oitavo andar
senão o jogo sinonímico e estático
destes postes equilibrando na copa de seus
ramos metálicos
pomos brancos e amarelos, elétricos, que
anseiam a luz
fria da primeira hora do dia para morrerem
ao toque do dedo de alguém.
Pela madrugada urbana espalhando a
sensação selvagem
de primitivismo animal, os automóveis
umedecem com pó de petróleo suas
gargantas carbonatadas e
pigarreando animalescamente
confidenciam-me com
suas tosses, seus berros e seus gemidos
os segredos mais ínfimos abandonados sob as hastes
de iluminação quebradas da cidade:
(mãos paralisadas em virilhas
bocas estagnadas em nucas
retinas transplantadas em tetos de carros).
Olho novamente tudo em panorâmica
e da sacada escura de minha árvore de concreto
respiro com dificuldade nesta madrugada as
fuligens cruciantes
de meu passado repousado ao pé das sarjetas
mal iluminadas destas ruas de São José.

Adio o salto.




1ª, 2ª e 3ª conjurações
 Para poetar é preciso
derreter os significados
até que eles, vapores, se confundam
com as coisas que substituem.
Daí, pega-se essa massa
amorfa  de vento e vai-se se construindo
formas seguindo sempre os
princípios da deformação.
Para vivenciar há que se
gaseificar o bruto e dar a
ele cores de madrepérolas
falsas (como a morte no seu
início).
Depois de surgido, o gás
deve, então, ser inalado,
para que, renovando o
corpo das artérias da alma,
possa ressurgir em aparente
inacessibilidade.
Para, portanto, compreender a vida
da poesia,
é preciso decodificar, por exemplo,
os gritos de felicidade que o
álcool
vai espalhando no espírito à medida
que irradia pelo desespero do corpo
instantes de morte alegre (a poesia
da vida).
No fim, deve-se rir para que haja
certeza de que tudo foi entendido.
É
preciso jamais esquecer que, se tal
riso não estiver imergido em uma
bacia
enferrujada de ironias, a
compreensão
de tudo será apenas parcial.
Poetar, beber e rir
parecem seguir
um mesmo padrão de

conjuração.




“O balcão”, René Magritte, 1950


Retrato familiar tremido, ao amanhecer
Acompanha sempre o lançamento da
palavra a sombria figura do iniludível.
Como quem teme o texto pronto – o
resultado – eu recuo diante dos trêmulos sinais.
E eu não sei o desfecho que um texto
iniciado pela palavra alegria teria, por exemplo.
Então esqueço a alegria.
Meu pai no chão da sala se contorce
enquanto minha mãe
preocupada
altera a taxa de glicose imaginando minha
hemorragia verbal solitária e silenciosa
dentro do convulsivo quarto protegido
pelas duas voltas da chave na porta.
De algum canto do meu delírio
quadrado
desce flutuando e gelado um cano cinza
escuro e inteiramente trespassado de buracos;
encontra minha vértebra exatamente na
altura do quinto osso e ali estagna-se
(engasgado,
ga
gue
jo         e
s
u
o).
Irradia por sobre todo o meu corpo o
baforar gelado e fétido de um imenso urso polar negro.
Meu irmão deve na madrugada dormir e
minha irmã sonhar com a vida magra, enquanto meu filho resiste à própria
origem, ainda panteisticamente dissolvido, lá, na noumenalidade do não ser, de
Augusto, o dos Anjos.
Imediatamente sou transportado para o
quadrado onírico do meu delírio,
agora tão real quanto a cor marrom
que o torna verossímil.
Uma vez mais, no canto, apreensivo,
aguardo a invasão da água: Suja. Barro
sca. (foi
sempre assim)
Lavo-me então na lama que é água
limpa levando terra nos braços.
Pela minha boca adentro uma febre
vai.
E minhas pálpebras pendem, frente ao
cheiro forte de vinho barato e ácido que das entranhas sai para, gotícula a
gotícula, derramar-se nos lábios trêmulos e salgados que balbuciam

despedidas familiares.



Alexandre Martins graduou-se em Letras e Relações Internacionais. É mestre pela primeira e doutorando pela segunda.

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