![]() |
Ilustração: Rail Gate |
O ELUCIDÁRIO DA NOITE
Projetos retidos pela luz do dia.
Amanhã é que eles não restarão mais?
Projetos cultivados nas noites anteriores
num laborioso alento compartilhado
com o frio em silêncio e os devaneios
pertencentes ao negrume em que desabrocham
ideias lúcidas e nobres e válidas
em reorganizar o comércio da vida
sem maquinário do vil atravessador.
Projetos retidos pelo embargo de impostos,
que, somados à burocracia, travam o avanço das ideias.
Projetos que me pareciam feitos de pedra, de ferro, de aço inoxidável,
de um diamante tão singular, difícil de dissipá-los.
Por que vocês se perderam
por caminhos cruzados pelo sol?
Agora, assim, barrados na renascida manhã — manhã que nunca, não, jamais te pertencerá! —,
estes projetos são meus e das noites enluarando meu
ventre
a germiná-los!
OS EXISTENCIALISTAS DESPERDIÇANDO SUAS VIDAS
O céu é o limite?
As nuvens são barreiras?
Os astros são inatingíveis?
Deus existe, religião é besteira?
De onde viemos, para onde vamos?
E por que ficamos sem uma explicação?
Onde nasce o amor?
E para que serve o coração,
senão para bombear o sangue de minha vida?
Mas será que de fato esta vida é minha mesmo?
O SILÊNCIO TRINCADO
O corpo mal comportado no leito.
Peitos, ternos, já não amamentam mais.
Agora só provocam outro tipo de gozo.
Mas hoje, hoje não!
Hoje é o dia das revoluções dignificadas.
O beijo, o soneto, o cafuné, o café expresso.
Mimos aprendidos na estrada da vida em joguetes de sorte ou azar,
os quais joguei todos numa aposta nas calotas de meu auto
que roda, roda, roda, roda o mundo inteiro e não sai do lugar.
Mas hoje elas se partiram? Partirão!
Nem que seja num palmeiral à beira-mar,
e as ondas se debatendo serão suas únicas testemunhas oculares.
Todas as hipóteses do “Se” com reticências
levaram-me à palavra negativa do “Não”.
O Não que mistura sua boca e os meus ouvidos.
Metal indigesto que não se dissolve na água
e engolimos ao longo de nossos anos hídricos,
e nos deixaram mais tensos e pesados.
Ficamos mais tensos e pesados.
Ficamos mais pesados e tensos de só haver “Como?!”
e “Por quê?!”.
Além de nos deixarem menos
coloridos,
agora são só cores gris que tingem nosso frágil destino,
e, por ora, carregamo-los em total silêncio,
mas que, de tão frágil que ele se encontrava, trincou.
Trincou e ficamos bastardos pela vida mal resolvida.
E ficamos trincados a um triz de nos estilhaçarmos por inteiro.
E um já previsto intervalo de silêncio
desemboca agora na imensidão azul.
Mas a terra inebriada, pulando, dançando, cantando…
Não o sabem, e nem convém contar-lhes da nossa tola
condição humana.
E eis o que presumo desde então: o silêncio não é para todos.
O silêncio só lhes é tolerável quando abrimos um livro a brotar ao léu
as mais belas palavras do imaginário amor.
Mas o previsto silêncio de que falo sepultou-nos. Sepultou os dois!
Somente nós dois! Os dois!
Nós dois!
Nós dois! Nós dois! Nós…
E nós!
Nós… Nós… Nós dois. Nós…
Nós ficamos…
Nós… Nós dois ficamos engessados no tempo,
ruminando…
Ruminando o vasto pasto de palavras não toleráveis a um consenso!
Os dois!
Somente nós dois!
Nós dois!
Nós…
Daniel Veras Pinheiro nasceu em Teresina, capital do Piauí, em 1981, onde reside até hoje. No ano de 2013, com seu livro de estreia intitulado Cantiga Incendiária, venceu o concurso literário “Novos Autores”, promovido pela prefeitura de Teresina — Fundação Municipal de Cultura Monsenhor Chaves. Agora, esta segunda obra, intitulada de O Eco Ardil. É editada pela Caravana Grupo Editorial.