3 poemas de Márcio Davie Claudino

Ilustração: Hieronymus Bosch

Estudo para um jardim de animais tristes


“Mas tira essa gente invisível que ronda a minha casa!”
(Federico García Lorca)

Um lobo

Quem
te acompanha à tua porta
em vigílias extremas
faz esperas em teu jardim de bichos e flores tristes

E se enoturna de magnólias
e se cobre de relvas
tomba a sua sombra
em canteiros com sede

Espreita entre madressilvas
e idiomas de pintassilgos.
De tua tristeza em olho d’àgua
faz-se arroio

E se transforma em silêncios e outonos
e se alumbra na tua ausência
e se corta com cacos de teus vitrais?

A selva dos desejos

Quem te iludiu e entrou contigo
na selva dos desejos
na cama azulada de sanhaços
invadiu a nossa casa
e fez noites que se entreolham
em espelhos profundos?


Imperfeição

Este céu caiu

Do alpendre de pedra
recolho cacos de setestrelas
e me recolho em chão de espantos.

À sombra do mistério sagrado quase me revelo,
refletido nas águas da noite.

(Este céu é para montar)


ENCONTRO COM A MONJA

A monja do jardim de Salé jura que pensa em mim.
A única vez que a vi, sentada no dorso do tigre branco,
Fosforesceu a tarde com as pérolas do pescoço.
Ainda vejo a sua fronte coroada de diademas de sereno,
Muito mais delicados que a luz pequena do vaso tolteca.
Ainda vejo o emo que ela andejava,
acompanhada pela falcoaria,
Diziam que, às vezes, entontecida de saquê.
Ainda vejo a sua fronte celestina
(porque o céu a coroava)
e nos falávamos em copta, sânscrito,
e a monja ainda jura que não me esquece…
Porque dos olhos verdes deu-me a beber em seu céramo,
Enquanto bebia, ela mesma, dos meus odres de vinho casto.



Márcio Davie Claudino (Curitiba,1970) é autor de O sátiro se retirou para um canto escuro e chorou e vencedor de alguns prêmios literários. Formou-se em Letras pela UFPR, onde frequentou o mestrado, desenvolvendo estudo sobre a poesia contemporânea curitibana. 



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