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Ilustração: Sammy Slabbinck |
fetiche
Tua boca carrega um tumulto de silêncios lacrados .Boca proclamadora de centenárias guerras. Difícil ver através deste biombo ornado de motivos salivares, qualquer indício de paz ou de sanga . É necessário memorizá-la, despindo-se de qualquer lirismo. na penumbra de um quarto de motel barato, quando da janela entrava um braço deformado de neon vermelho, imaginei-te toda azul-chumbo , nimbo escuro nas bases; pelos picos gelava uma cor aliriada , clara por estar mais alta, de onde se notava, olhando-se fixamente as paredes , uns rodopios de descolar retinas, de enraivecer hienas, umas holografias de miocárdios e jugulares de jaguares esfomeados. Eu queria dessacralizar teu vulto, desmemoriar teus passos, rasgar a rota do teu mais insignificante murmúrio, ao som de every breath you take , exumar do teu corpo todos os flagícios sepultados por línguas delinquentes , sem ódio algum, ressalto, mas com certa obstinação de pedra ou de formiga, ignorei todo o resto, tudo: coxas, unhas compridas, bunda e artimanhas, omoplatas, virilha e falso orgasmo; eu só quis a tua boca, este céu negro emoldurado por estranhas carnes pintadas, votre bouche cyanure e micro abismo de peixes de marfim, tua boca que pechincha o tempo, que profere obscenidades, violentada pelo meu desejo comprimido, como uma nuvem desvirginada por um Boeing, eu me calo sempre que a manhã irrompe e a porta se fecha, ou para ver a fumaça te reconstruir no ar, curva a curva, em sinuosidades leves e doentes, eu sou assim, fico olhando para o seu número no celular e até me esqueço que você cobra caro
Pulvis
Sombra: forma incomum dentre as geométricas. excetua-se pela densidade do corpo contido em si mesmo. sigilo-silogístico. exemplo : ocorreu luz aqui logo sou quietude. passo os olhos pelo amianto do telhado. entre lençóis azul-minha-mortalha (visto de cima) forjado esboço de algum renascentista anônimo fosse simplesmente a moldura periférica das minhas limitações. passos que não frequento. não nessa dimensão.
o outro já se foi e está livre nem este nem aquele serão o pó a que pertenço. há um frio estranho em não saber sobre as rotinas dos mortos. à que horas dão-se as suas ceias? talvez nem haja tempo no inverso do sol no avesso do fogo . virando para o lado como se entrando no sol dialógo com toda a sorte de silêncios. se me apresentam assim em nuances e texturas como um vocabulário de mímicas. permaneço em espessura vitrificante os olhos vendo-os chegar pasmos rasantes mas não tenho a inteligência das quinas nem dos ocos para lhes dar a devida forma. e quase na metade do caminho eles desistem e retornam lentamente como alguém que vai se afogando. a memória marmorizada na mesmice de certa forma nos distrai para mais longe do abismo em outras palavras uma ação inusitada ou qualquer tipo de vanguarda se transforma em probabilidades a favor da morte ou pensando de outra forma a conformidade é uma atitude de reconquistar a sua miséria de sempre. não há saída enquanto houver em que pensar . como o pássaro preso em um cristal a luz é um paliativo para o seu canto confinado. eu até tentei caminhar apesar da leve vertigem de sentir outra vez os pés no chão caminhando caminhando meus restos presentes empoando tudo do quarto ao banheiro a pia branca as paredes brancas de eu não fazer ideia desse rosto. sem fincar raízes como alga boiando (terminar)
ípsilon em neon azul
:. Violáceo-lince das nebulosas sobre a cidade . tentar antever o instante antes de as catapultas lançarem as auroras esquecidas. posso esperar? As ruas descem até o final e se perdem como lágrimas que se lançarão no cosmos . boates puteiros botecos levitam sobre as sarjetas suspensas da fuga sou o único de colarinho roto sob o ípsilon de neon azul ardendo em febre de vermute em meio às diabólicas luzes traseiras dos carros. Meu pensamento transatlântico metralhado pelos faróis. Uma prostituta vomitando uma pajero no semáforo. Árvores sodomizadas pelas próprias sombras . À meia-noite jornaleiros ventrudos baixam o aço das portas. Assim surgem as notícias ruins. grande deserto negro-ciliar onde peregrinam os lobos vencidos pelo desprezo dos luares. Vasta variedade de siderocrômios luzindo na estranha procissão dos postes . meu rosto de repente ilumina-se num grande painel digital sem sintonia em lilás–vermelho-azul propaganda de creme dental para cadáveres . sei de cor todas as cores frias bem como conheço as vias pelas quais se prolongam os êxtases das perseguições passionais mas há serpentes que se enroscam nos troncos das sensibilidades frívolas. a noite tem mãos que encurtam as buscas quando o assunto é capturar lebres apopléticas e mitigar a clorose das iluminações públicas. mas há as serpentes. sempre as ruas desvairadas singrando . e sempre por último o giroflex pelas ruas desertas
Maquinamara
:.maquinamara maquinamara resfolegânglio em gramaturas ocre-jambo, óleo dourado, às vezes os cabelos soltos caídos sobre as escápulas profundas. qualidade de fosco manauara maquinamara eu te invêjo um urubu-rei com um padre na barriga assim os pulsos adornados e circundados de pulseiras do sexo de ontem. tudo pelo teu ninho entre neblinas mornas, um ofurô de fúrias e lobos uivando em teus ouvidos o Cântico dos Cânticos com bafo de cerveja. um pouco de lirismo? tulipas cozinhando em fragrâncias de orgasmos fingidos por quem por uma única noite te amara, maquinamara. apenas figuras de fêmures trêmulos sobre ágatas-magmas enfeixam um reduto de sei lá que espanto de coelho selvagem, eu temo te deixar partir, amansando meus olhos tigrinos com as pontas dos dedos, antes de tirá-los de cima. por toda extensão da minha pele, pequenas
bocas oculto, e meus desejos mais ardentes são cadáveres de sombras azuis implorando por essa planta que você esconde entre falsos entulhos, metade carne, metade galáxia.
Lauro Heinsenbauer é o pseudônimo de Rafael Quintiniano da Silva Lopes (1983 -/SP) . Começou a escrever poemas ainda no ensino médio, meio que intimidado pela professora de língua portuguesa. Publicou seu primeiro livro de poemas em 2012, o Sírius, depois de aventurar-se por alguns países europeus. Teve alguns textos seus publicados nas revistas eletrônicas Alagunas, Inutensílio, Subversa, e no jornal impresso O Relevo, entre outros. Atualmente mora em Jacareí e cursa licenciatura em Pedagogia. É encontrado também no rhynocerontem.blogspot.com.br