Man in a Bowler Hat/Rene Margritte
Empate
Para Rose Teles, Rosana Maria Fachini,
Nanci Lima, Gracinda e Liliani Costa
(obrigado por acreditarem em minha veia pugilista)
Desossar palavras
demanda constância.
É preciso despir
cada uma delas
até reduzi-las
ao brado velado
que escondem.
São bichinhas ariscas.
Seres tão mutáveis
quanto as nuvens.
Partículas de urgência
em profuso alarde.
Peitá-las requer coragem.
Não fogem ao cotejo.
Muito menos cedem com
tanto desembaraço.
No tatame,
erguem-se em tamanho
copioso
fazendo com que qualquer
adversário se liquefaça.
Como o horizonte
engole
o proêmio da noite,
elas se lançam deliberadas
sobre as têmporas
do já intimidado
trovador.
O embate tem
início.
Cada palavra já
é sua própria sentença.
A palavra arranha
pode machucar.
A palavra buraco
pode não ter fim.
A palavra palavra
é o princípio do enigma.
Ao humilde bardo resta
a tarefa de aglomerá-las
em pintura precisa
abraçando uma a uma
até que a fotografia
seja revelada.
Finda a batalha,
ambos os opositores
se beneficiam.
Vitória da lira.
Triunfo da linguagem.
Opticidade
ZOOM IN:
Munido do
sentimento do mundo
fito
o trânsito impaciente
dos pedestres.
Meu café está quente.
Eu o aprecio sem
moderação.
ZOOM OUT:
Do outro lado da rua
um rapaz de idade igual a minha
agarrado ao mesmo livro
em que me atenho a leitura.
Descobrimo-nos.
Ele me cumprimenta.
Retribuo a acidental
simpatia.
Voltamos a nos refugiar em nossas
redomas.
ZOOM IN:
Naquela fração de momento, fomos
cúmplices.
Nada além de
sinceros cúmplices.
A aranha
A aranha,
sempre humilde tecelã,
constrói a própria cama.
Eu atiro-me a minha
sem contestar sua
origem.
A aranha, essa decorosa mãe,
faz da cama
berçário para
acomodar sua
numerosa prole.
Eu abrigo na minha
pesar e ossos cansados.
A aranha, sábia raposa,
sabe que sua cama também
é engenhosa
armadilha.
Eu deito na minha, certo
de que é um santuário
de sonhos concernentes.
A aranha, sempre inventiva,
também faz da cama
um modesto refeitório.
Eu me vigio pra não manchar
os lençóis da minha.
A aranha, indubitavelmente,
sabe se virar.
Eu só durmo de bruços.
Elucubrações sobre o não
Língua, o instrumento
lascivo
do verbo.
Nesta condição (e superada
a arquitetura da boca)
ela pode
erguer expectativas,
içar paralelepípedos,
joias ou qualquer
coisa de peso ou
igual valor.
A língua se sobressai na
arte da pronunciação.
É uma arma.
E o material que ela mesma
ajuda a conduzir, ou seja,
a fala,
é o seu inegável projétil.
Existe uma outra arte, porém.
A de proferir determinada palavra.
E a língua auxilia muito no processo
de dizê-la.
Se a mesma não se abrigar
entre os dentes na hora H
a magia não se completa.
Acontece que este caminho
pode ser um suplício pra quem
se arrisca.
E fazer com que tudo transcorra de forma
natural e análoga
envolve outra complexidade.
Dentro dessas magnitudes, fica
difícil crer que esta seja uma deficiência
emocional.
Já que assim
ela ganha requintes de
anomalia.
Um problema físico
e muito mais logístico
que propriamente
o medo do que se seguirá.
É uma pneumonia
geral.
Todos estão contaminados.
Menos eu.
Eu n…
Os poemas integram ao livro “Fotogramas” (Editora Patuá, 2014).
Autor do livro de poemas Fotogramas (editora Patuá,2014), Luiz Brener nasceu em Caraguatatuba, litoral norte de São Paulo, em 1994. Segundo a cultura de prognósticos, o mês e a hora exata de seu nascimento indicam que ele é capricorniano e o seu signo ascendente é o de peixes. Em outras palavras: Luiz é um obstinado sonhador. Considera-se um poeta vocacionado (com toda a modéstia que lhe cabe) e um ator por acaso (acaso que tão “acaso”, tornara-se uma verdade irrefutável). Gosta de boa música, boa companhia, conversa fiada e de pagar meia entrada no cinema as segundas feiras. Por falar em cinema, Brener é um grande entusiasta de sétima arte (lê-se “entusiasta” como “amante despudorado”). Publicou nas antologias literárias O Segredo da Crisálida e Entrelinhas-Vol.2, ambas da Andross Editora. Anda por aí. Distraído, mas sempre atento. Fotografando com os olhos a beleza do impalpável.