4 poemas de Maurício Cavalheiro


TRINCHEIRA


As primaveras estão secas,
as sementes estão secas,
somente os espinhos viçam.

A cada segundo
um pavio curto é aceso
nos quatro cantos do mundo:
nos gabinetes dos chefes de governo,
nos salões ministeriais,
nos becos da sociedade,
nos lares.

Em tempos de guerra,
equilibro-me no silêncio armazenado
nos subterrâneos das cicatrizes.
É preciso empedernir
para assimilar sobressaltos.

Sobreviver é uma batalha perdida.



TESTAMENTO


As malas ficarão na estação;
dilapidadas serão pela matilha insone.

Prantos tardios por miudezas desprezadas
durante a pressa pelo nada,
suplicarão um fio de tempo
para observar o desabrochar das flores.

Nascerão pactos para interromper a finitude,
mas contrato unilateral
não admite adendo.

O amanhã é uma incógnita indecifrável:
basta um instante para inexistir.




CAOS


No dia em que abri a caixa empoeirada
encontrei asas de anjo
das procissões da infância.
Comprei auréola na liquidação
e invadi segredos celestiais.

Paramentado, escalei o mais alto cume,
rasguei o medo
e o salto me impulsionou.
A viagem foi breve, muito breve.
Não havia sentinelas.
O portão enferrujado tombara.

Encontrei Deus cabisbaixo
no Trono de Luz;
de vez em quando arriscava sorrisos opacos
para desvanecer meu assombro.

Condoeu-me!
Deu-me vontade de abraçá-Lo,
de oferecer-Lhe meus ombros franzinos.

Ele sorriu mais um sorriso opaco.

Desde então, arranquei as asas e as incinerei
para nunca mais voltar,
para cuidar do Rei
com minhas ingênuas orações.

Deus está cansado, carecendo de férias.
Trancou-Se nas profundezas do silêncio
para refletir sobre as matérias
da criação.

Fico tentando desvendar as Suas inquietudes;
de vez em quando ouço um quase sussurro:
– Onde foi que eu errei?



O CANTO DO VENTO


Na Rua das Casas Tortas
canta o vento falastrão
carregado de notícias
em pacotinhos, na mão.

Detém-se junto à janela
da casa rosa, onde a moça
espia a rua e soluça
esperando por alguém.
Sem peneirar as palavras,
desembrulhando a verdade,
diz ele, ao ouvido dela:
– Vá dormir que ele não vem!

De coração apertado,
a moça pressente o agouro
e se indaga, antes do choro:
– Quê será que aconteceu?
O vento rude e severo,
erradicando rodeios,
assovia a crueldade:
– Ele não vem, pois… morreu.

Passou o tempo… Entretanto,
inda o vento entoa o canto
na Rua das Casas Tortas.
E a moça? Encontrou refúgio
na lacerante saudade…
Ambas, agora, estão mortas.


Ilustrações: DamalnNero    



Maurício Cavalheiro, natural de Pindamonhangaba/SP, é membro da Academia Pindamonhangabense de Letras e da UBT-Seção Pindamonhangaba. Assina a coluna “PROSEANDO” no jornal Tribuna do Norte, de Pindamonhangaba. Livros publicados: Lágrimas de Amor (1987 – poesia), O Sapinho Jogador de Futebol (1991 – infantil), O Estuprador de Velhinhas & Outros Casos (2011 – Contos), Histórias de Uma Índia Puri (2015 – infanto-juvenil), O Casamento do Conde Fá com a Princesa do Norte (2015 – cordel), Um Caso de Amor na Parada Vovó Laurinda (2015 – cordel), Zé Ruela e a Capela de Sant’Ana (2016 – cordel), Vestígios de um Grão de Areia (2017 – poesia).

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