4 poemas e 1 vídeo poema de André Gravatá




ato poético um

abalo inocente na pulsação
ao abrir um a um
os volumes de história
na livraria

em cada um deles
introduzir folhas
escritas à mão
capazes de bagunçar
dimensões dos fatos
e cronologias

acrescentar à queda
de uma civilização
a insignificância do encontro
entre duas pessoas desconhecidas
debaixo de um toldo
enquanto aguardam a chuva passar

o caroço do caroço

a poesia me achou em casa
na mesa
numa ameixa
suculenta
no fim o caroço sozinho
bala solta na língua
vagaroso, perdendo a dureza
até que uma mordida abriu a carapaça
quem diria: os dentes esbarraram
num caroço no interior do caroço
o dentro do dentro revelado
sobressalto no corpo

a poesia me achou
não para me apegar ao poema
mas para eu não desprezar a realidade

a poesia me achou no hospital público
na eternidade da saliva que pinga:
o pai dá de comer ao filho velho
tanta baba
o pai enxuga
gota a gota
com amor lento






prefiro que meus filhos

prefiro que meus filhos morram
a continuarem sofrendo tanto neste mundo

a frase daquela senhora
mal cabia na sua casa cubículo
enquanto a neta brincava no chão
mais e mais ruidosa
para que a brincadeira
fizesse mais barulho que a declaração
não para encobri-la
mas para inaugurar instante vivo
atravessar o terrível
desentulhar a sala e o destino

crua
toda pessoa
por longe, por perto
de repente desperta
uma parte de mim, crua
nascente a partir da presença dela
toda pessoa
quem não conheço
toda pessoa
quem nem sei o cheiro
toda pessoa
quem nem sei por onde andam os pés
larga comigo o que ela não sabe que tem:
uma parte de mim
.
André Gravatá é escritor, autor do livro de poesias Inadiável, pela editora 7Letras. É coautor dos livros Volta ao Mundo em 13 Escolas e Mistérios da Educação, e também um dos criadores da Virada Educação, que mobiliza escolas e territórios pelo Brasil. É parceiro de Serena Labate no Sorver Versos: www.sorverversos.com

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