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Ilustração: Hannah (Helene) |
Vidraças
A
ninfa tece o olhar
ninfa tece o olhar
No
pássaro conjugado
pássaro conjugado
Na
malha da cortina
malha da cortina
Faltou
lhe dar migalhas
lhe dar migalhas
Como
quem alimenta pombos
quem alimenta pombos
De
cidades imaginárias
cidades imaginárias
A
memória como moldura
memória como moldura
Um
quadro na retina
quadro na retina
Enjaulada
na janela
na janela
Na
procura pela rua refletira
procura pela rua refletira
O
rosto se perdendo em outras esquinas
rosto se perdendo em outras esquinas
Viola-se
a verdade, forja-se a mentira
a verdade, forja-se a mentira
Em
restos de relatos murmurados
restos de relatos murmurados
Pés
que se atropelam na calçada
que se atropelam na calçada
Multidões
marcham em penitência
marcham em penitência
O
chão, prisão dos que não podem voar.
chão, prisão dos que não podem voar.
Então,
alegres, riem amputados.
alegres, riem amputados.
As
pupilas povoadas de abandono
pupilas povoadas de abandono
Sob
o olhar da ninfa e do pássaro no desenho
o olhar da ninfa e do pássaro no desenho
Uma
consciência que se autoexamina
consciência que se autoexamina
A
mão suspensa ensaiando o aceno
mão suspensa ensaiando o aceno
Sibila
muda na janela, e o pássaro notívago,
muda na janela, e o pássaro notívago,
A
antever dias infindos que se perpetuam
antever dias infindos que se perpetuam
E
desconfiar do que prenunciam as aparências.
desconfiar do que prenunciam as aparências.
A moça do supermercado
A
garota do caixa do supermercado
garota do caixa do supermercado
proletária
de sonhos românticos que ninguém sabe
de sonhos românticos que ninguém sabe
do
chocolate que lhe comprei e nunca foi dado
chocolate que lhe comprei e nunca foi dado
entre
restos de palmeiras e cinzas
restos de palmeiras e cinzas
na
cidade
cidade
de
sabonetes e frutas que lhe passam pelas mãos
sabonetes e frutas que lhe passam pelas mãos
para
depois percorrerem outros desvãos
depois percorrerem outros desvãos
comenta
do preço (alto) da cebola
do preço (alto) da cebola
a
caixa-registradora extensão do braço
caixa-registradora extensão do braço
que
ninguém a julgue pela crise mundial
ninguém a julgue pela crise mundial
ou
a culpe do crime federal
a culpe do crime federal
o
percurso da prateleira ao balcão
percurso da prateleira ao balcão
da
cesta emaranhada de produtos
cesta emaranhada de produtos
é
uma caravela em viagem ao oriente
uma caravela em viagem ao oriente
uma
astronave em excursão a Júpiter
astronave em excursão a Júpiter
o
supermercado o bordel diurno
supermercado o bordel diurno
cabaré
do futuro
do futuro
a
garota no caixa,
garota no caixa,
ao
invés de mercadoria,
invés de mercadoria,
a
intermediária
intermediária
do
consumo
consumo
que
substitui os sonhos.
substitui os sonhos.
Erro espírita
Emprestei meu Dostoievski
quando ela visitou-me no apartamento
acostumada com romances espíritas
se deparou com o título na capa:
Recordações
da Casa dos Mortos
da Casa dos Mortos
abriu o sorriso com a referência
a mundos que a remetiam ao além
e recolheu o volume em sua bolsa.
Continuei na minha dose
desconhecendo ela que a Casa dos Mortos
não é mais que a residência em que habita o
tempo.
tempo.
Cada um carrega no peito a Sibéria que lhe
coube.
coube.
Evocações do mundo
editorial
editorial
para Michelle S.
O Jovem funcionário da pequena
editora
editora
flerta com a tua namorada
pedindo a ela poemas
pedindo a ela poemas
insinuando possibilidade de
eventual publicação
eventual publicação
em plataforma literária
qualquer:
qualquer:
jornal, revista, site ou livro
esperando da donzela em frente
que a pequena lhe entregue
material próprio
material próprio
para que tenham em mãos o que
negociar.
negociar.
O Jovem funcionário
que mal conhecemos a verdadeira
função na pequena editora
função na pequena editora
pensa em futuro convite para
jantar
jantar
onde poderão discutir com tempo
os prós e os contras
os prós e os contras
do trabalho literário da menina
no que ela tem de bom e no que
é preciso
é preciso
melhorar.
O Jovem funcionário
sente que pode ser rico em
conselhos
conselhos
e generoso no abrir e fechar
de portas que conciliam cama
& mesa de negócios
& mesa de negócios
sofás e os bancos dianteiros do
seu automóvel.
seu automóvel.
O Jovem funcionário só não
espera
espera
que a sua paquera
vá lhe levar poemas que o
namorado
namorado
mesmo escreveu em suas noites
mais
mais
selvagens
e acessos de sangramento e
vômito
vômito
sob a influência de Roberto
Piva e Baudelaire
Piva e Baudelaire
após a leitura de Dante e
outros poetas clássicos
outros poetas clássicos
de Bolaño e alguns marginais.
O Jovem funcionário
como aquele condutor que
estaciona a beira da estrada
estaciona a beira da estrada
o carro ou caminhão numa tarde
de primavera
de primavera
atendendo ao chamado das
garotas
garotas
de vestidos esvoaçantes e
cabelos azuis
cabelos azuis
que lhe perguntam se poderia
dar carona
dar carona
ao tio ou o pai que espera com
as malas a postos
as malas a postos
no que o motorista já não pode
recuar
recuar
quase ergue as costas da
cadeira em que se encontra
cadeira em que se encontra
inclinado
bufando à moça depois de ler
aqueles originais
aqueles originais
que versos tão imprestáveis não
lhe passasse mais
lhe passasse mais
literatura maldita não fazia as
honras da casa.
honras da casa.
O Jovem funcionário
que fosse cantar de galo
em outra freguesia.
Ascensão
Era muito tarde na praia
onde a lonjura das casas
em que o tempo habita
não se mede, tampouco o mistério
das coisas escondidas se faz
com palavras, nem a filosofia
é da boca pra fora, mas secreta
teus pés quase afundados
na areia, os sonhos são
vizinhos,
vizinhos,
o mar revolto e amigo,
passos em falso, sonâmbula,
e as trevas no alto
que caem do céu
como tintas escuras que
se misturam
a um azul recém-inventado.
Vlademir
Lazo nasceu em
1982, gaúcho da Praia do Hermenegildo, na fronteira com o Uruguai, e
ascendência mais ou menos próxima originada desse outro país. Colabora no portal Cineplayers e os poemas acima
integram o volume Geografia de um retrato
(Penalux, 2018), seu segundo livro.
Lazo nasceu em
1982, gaúcho da Praia do Hermenegildo, na fronteira com o Uruguai, e
ascendência mais ou menos próxima originada desse outro país. Colabora no portal Cineplayers e os poemas acima
integram o volume Geografia de um retrato
(Penalux, 2018), seu segundo livro.
Uma resposta
Muito bons poemas e olhares sobre as palavras que dançam sobre as imagens! 😉