Luzes de natal
É preciso, sim,
apreciar as luzes de natal
por tudo o que a física explica
(desprezando o que a data indica).
Este deslumbre calculado
transforma qualquer tentativa de fé
em mera suposição, e, decerto,
aceita o valor histórico específico
– por princípio e prática.
Pois, quando contemplo
a sequência lógica das lâmpadas,
abandono, de vez, a chance remota
da vida eterna
– essa que tanta gente espera –
e, convicto, conoto lúcida,
outrora lúdica,
a cristalina iluminação.
Soneto do amor motor
canto o amor de agora
que não é amor de antes,
amor que sempre implora
um novo conjunto de jantes.
canto o amor de agora,
não o de outrora amor de antes,
amor que está na moda
e seus painéis elegantes.
canto o amor do momento,
amor que desconhece incenso,
dispensadas as juras eternas.
e enquanto houver gasolina,
o amor – eu sei – nunca termina:
amor que anda sem usar as pernas.
Fios elétricos cortam mangas?
Na fotografia, parece, mas as mangas, prestes a cair,
não estão sendo cortadas pelos fios elétricos.
A imagem, paralisada, engana
– impressiona – e, desgraçadamente,
serve de mote para o sujeito criar versos.
(mesmo que soubesse quais eram as condições climáticas
no dia em que as frutas foram fotografadas, o poeta,
desprezando a força do vento daquele outono antecipado,
teimaria escrever: “fios elétricos cortam mangas”)
Fernanda Montenegro
Sim, a vida é um demorado adeus,
quase sempre silencioso, quando
o afeto diante do filho morto
revela, então, a brevidade do existir
que mais parece castigo
e isso, decerto, ninguém há-de negar
porque, para quem está vivo,
o corpo alimenta o impasse
entre o cansaço e a sobrevida
que não passa de mero disfarce
(fingindo no caminho a fuga)
– sem saber que a entrada é a saída,
e que viver é estar vencido antes da luta.
Poemas para performance (trecho)
e essa crise
de representação q ñ passa
ainda q o golpe desferido
impulsione sangria
como a de uma hemorragia
incontrolável
togas tanques gravatas
q moralizam o ato político
e há mais corrupção
nas esferas privadas
do q nas públicas
montante de gente
acumulada na praça
ñ enfatiza o agora
como ágora
tragédia ainda pior
do q o rei outrora na barriga
é este q se aloja confortável no gatilho
naturalizando a calúnia
e ferindo conquistas a custo altíssimo
então quebram-se protocolos
tiros são dados para o alto
e isso ñ é garantia
de q alguém ñ seja alvejado
há de fato um tiroteio
fingindo fogos de artifício
tão eficiente quanto comando
de respostas prontas
feitas irrefletidas
como toró q parece nunca ter fim
q é como acreditar na salvação abençoada
por bispo sem batina
em tempos de absoluto conflito
menos ideológico do q narcísico
***
educar é atirar no escuro
e teme quem se atreve a temer
mas não é o caso dessa carne
essa carne q é triste
mas resiste
Cazo Fontoura, poeta e escritor; escorpiano corrompido; filho de Xangô, pai de João e de Marina. Publicou dois livros de poemas: Leitura neon-reciclada (editora organismo, 2014) e Poemas para performance (Editora Patuá, 2018); um de crônicas: Anticarta de Dona Lúcia – crônicas da fatídica copa do mundo no Brasil (Amazon, 2014). Lançou, em dezembro de 2017, o livro de contos Adote um maluco, pela editora Mondrongo. Em janeiro de 2018, organizou com Daniela Galdino a revista organismo 2 (organismo editora), cujo tema foi poesia erótica. Assina os projetos Selfie Poesia (entrevistas com poetas), no youtube, e #16perguntas (www.16perguntas.com), banco de dados da literatura brasileira contemporânea.