6 poemas de Lila Maia



UM HOMEM

Porque me escolheste
soletro teu nome banhada de chuva
Depois deito contigo querendo de volta
as minhas fontes primeiras
Esse homem quando me toma e ordena
ressuscita vertigens e todos os verbos do sofrimento

Porque me escolheste
tenho ao redor da casa um caudal de lírios e medo

      
MAGMA

Como se tudo em mim fosse mais,
sou eu que me lanço as pedras
deixo a faca no peito sem morrer.
Há um fogo no corpo se fechando em ciclo,
esse poema começando do fim.
Inferno? Partilha?
Nada me restitui a inocência
ainda que o sol no café da manhã
seja mais um ofício de querer a lição.

O hábito de sofrer diverte.


ALGUÉM PARA CORRER COMIGO

                           Bastariam cinco minutos

Ele trazendo o sol das ruas de Veneza
minhas pernas ágeis
distendendo luz

Nada romperia o pique

Nós dois aceitos
na dança própria do corpo

E o deus das grandes rotas
de repente
            encurtaria caminhos
para que o céu vermelho nas manhãs de julho
                                ardesse em mim



Título do livro do escritor israelense David Grossman
SOLIDÃO

O desejo que tenho do outro
não perturba os gestos solitários.
Não é o vento que leva meus sonhos
nem o mar que devolve os escombros.
Tudo em mim é solidário e agoniza.
Acontece que o amor termina


CAMINHO DO PESCADOR    

Que imagens guardar para não sofrer?
Que poemas escrevo,
se não sou como o “galo tecendo manhãs”?   
Que amor?
Onde deságuo,
tu não escorres nunca.
Janto minha alma amarga
todo resto continua na fome.
Ah, se Deus não vê
como posso eu enxergar tudo?


UMA ORAÇÃO

Deus nunca vai me perdoar: não vou mais sofrer.
Um tigre salta por trás,
nenhum palavrão me vem à cabeça no primeiro ataque.
A salvação? Não rezar mais.

Aos poucos a beleza do corpo vai se encolhendo
o fraco respirar convertido em todos os pecados
e as folhas preenchidas com poemas são filmes.

Meu melhor papel?
Ter dormido com cordeiros e anjos disfarçados.

Ilustrações: Olga Zervou



LILA MAIA é maranhense e vive no Rio de Janeiro. Graduada em Pedagogia. Escreveu os livros de poemas: As Maçãs de Antes (vencedora do Prêmio Paraná de Literatura 2012 – Prêmio Helena Kolody de poesia), Céu Despido – 2004 (vencedora do II Prêmio Literário Livraria Scortecci-SP) e A Idade das Águas – 1997. Em 2013 ganhou o concurso literário Coleção Vertentes da Universidade Federal de Goiás com o texto infantil Caixa de Guardar Amor, e em 2015 ganhou o concurso literário da Universidade Federal do Espírito Santo com o livro de poemas para jovens O Coração range sob as estrelas.

 

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