
ébano
quando eu nascer outra vez
quero ser negra retinta
e os meus cabelos crespos
deixá-los à carapinha
brancos só mesmo os dentes
e nos olhos azeviche
carregar a minha áfrica
seu sol ardente sua púrpura
quando eu nascer outra vez
vou dançar com o meu povo
no compasso do batuque
e dentro da pele quente
conduzir-me à altura
da cor e da raça esplêndidas
da beleza de ser gente
no coração –– na estatura
favo
de tudo que vi
escolhi os teus seios
retirei do entremeio
dentre as pontas em cor
um cadinho de mel
lambuzei minha boca
tinha gosto de uva
depois da chuva

da pesada
só me phode quem pode
quem eu deixo
quem tem nome de santo ou de peixe
carta de alforria e peito para enfrentar
mulher com estria e excesso
de peso
penúltimo capítulo
eu tinha um amor morava longe
a quilômetros e quilômetros de mim
(mais de seiscentos)
todo dia de manhã telefonava –– vou à padaria
queres que eu te leve alguma coisa?
eu sempre respondia
quero amor eu quero sim
traz-me queijo e pão
com gergelim
bumerangue
amar amamos sofrer sofremos
não por escolha –– os sentimentos
vêm e vão sem mais
nem menos
é osso
para não se apaixonar
e mais outros
deitou-se com todos
e no fim
enfarada de homens
arranjou um cachorro
que só come
filé mignon
Ilustrações: Di Cavalcanti

Ilustrações: Di Cavalcanti

líria porto – nasceu em araguari, mora em araxá, mg – é autora dos livros borboleta desfolhada e de lua,publicados em portugal em 2009; asa de passarinho e garimpo (finalista do prêmio jabuti – poesia – 2015) pela editora lê; cadela prateada – editora penalux em 2016; para compensar a força bruta, coleção leve um livro; olho nu, editora patuá em 2017; e bloguetanto mar. é uma das escritoras suicidas, tem poemas publicados em jornais, revistas, sites.
Uma resposta
Maravilhosa Líria Porto!