SEIS POEMAS DE SYLVIA CESCO

 
 
 
 
MULHER DO MATO


Sou Mulher do Mato:
Puro desacato
No ato
Se me cortam as asas
Ou me interrompem o voo
Sou Mulher do Mato:
Guavirosa e guavireira
Gente-bicho cerradeira
Mãe de Lua parideira
Filha dos cheiros verdes
Desassombrada semente!
Farpa de arame não prende
Mourões não me silenciam
Nem me tiram o pólen
Nem o vento engole,
Visto eu ser Ventania…
Sou Mulher do Mato:
– Menina
 Que o Tempo não desatina…



ESPANTO
|Para Manoel de Barros|


Meu Deus!
Mas que Homem é esse
Que por amor às gentes
Crucificou-se em rimas?
Mas que Gente é essa
Que por amor aos bichos
Deu de inventar palavras?
Mas que Bicho é esse
Que por amor à árvore,
Se enraizou em versos?
De que é feita a Árvore,
Que por amor às sementes,
Se madurou em Poesia?
Mas que Poesia é essa
Que por amor às pedras
Cobriu-as de musgos?
Mas que Pedra é essa, no meio do caminho,
Reflorescida em musgo, escorrido em árvore,
(Des)sementada em bicho, que nasceu das gentes?
De que é feito esse Homem?
– Respostas para sempre caladas,
Porém Maneco é seu nome…



DEI DE…    


Dei de criar invencionices:
– Inventei que passarinhavas
e enquanto afiava as asas
meu olhar de semente germinada
de longe te cuidava.

Dei de ter miragens:
te vi vagalumeando por entre as quatro luas
mas era na minguante
que tu mais brilhavas
e te reinventavas. 

Dei de ancorar
teu barco-querença
abandonado, margeando as águas,
ribeirando espumas, gorjeando alentos,
cataventando seixos em silenciosas mágoas
pelo não sabido, pela não presença.

Dei de endoidar de vez.
E me vi insana
entardecendo em dores,
me orvalhando em chamas
me encantando em pedras
me congelando em brasas.
Dei de lembrar sofrências
e de sofrer lembranças.
Dei de desdizer palavras
e desfazer de mim…
Exausta, no final, percebi:
deste de te esconder em amplidões sem fim
enquanto inquieta eu te procurava.





SINHÁ RENDEIRA


Me rendilho
de rodilhos, entre as rendas
das rimas raras.

Me arrepio
de rodopio em rodopio,
refeita a cara.

Me rendo
na rede- redemoinho, 
à rosa refletida.

Me revelo
rascunho repousado
em rama retorcida.

Me rio
dos rubros rumores
resvalando em relvas.

Me repouso
e em rápidas renúncias
reascendo ressalvas.



QUERÊNCIA


Me adoeci de ti.
Senti a febre das sofridas luas,
quarentei-me em dias e meses para ser tua
adoentou-me o nervo, o osso, o sangue, a alma.
Entediei-me em esperas, me pedindo calma
e, mulher de Atenas, fui tecendo veias
pra que eu não secasse, pra que eu não morresse
durante tua ausência.
Cicatrizei estrelas, depurei meus sonhos
convulsionei-me inda febril por meus escuros
e finalmente coagulou-se o sentimento
de não me ser permitido atravessar teus muros.
Sobrevivi de mim.
Estou porém em convalescença,
em letárgico estado de querência,
arrítmico delírio entre o não e o sim.



ARREMATANDO MEUS AVESSOS


Minha alma é feita de rendas esgarçadas.
Mas não as troco nem as refaço:
esse esgarçamento é o que me mantém ocupada,
olhar atento,
cuidando, em vigília, do meu Tempo.
Minhas veias, de finas linhas,
não são de seda nem algodão
mas não há nada que as arrebente
ou que lhes dê nó,
por mais que as desafiem
incautos ou ingênuos bordadeiros,
contumazes de dores parideiros.

Meus nervos já vêm tingidos
por corantes naturais envelhecidos: 
– Com folhas de resedá
se lhes quero em cor laranja
pra alegrar minhas tramas anchas. 
Roxo é o jenipapeiro quem dá.
A camomila aos poucos os vai dourando 
pra se mostrar à flor da pele alumiando.
As artérias são cerzidas em ponto de arraiolo
que é pra adornar as ramas moleculares
debruadas em entremeios medulares
enroladas em discretíssimos novelos.
E assim, os teares dos meus avessos
são bem mais primorosos que os do meu lado direito:
– estes, displicentemente descuidados,
já não possuem sequer as urdiduras
necessárias à toda tecelã…
Corto os fios do meu passado e meu presente
E vou tecendo somente o amanhã.



Imagens:
Natalya Golubeva e Pecherina Elena





SYLVIA CESCO, nome literário de Sylvia Odinei Cesco, é natural de Campo Grande. Formada em Letras, Pedagogia e Psicopedagogia. Tem curso de especialização em Língua e Literatura, pela Universidade de Taubaté-SP, de Supervisão e Administração Escolar, pela USP-SP, e de Roteiro em Rádio e TV. Foi roteirista-auxiliar do filme sobre Glauce Rocha: “Nasce uma Estrela”. Publicou três livros de poesia, um de contos e crônicas e um de literatura infanto-juvenil. É diretora cultural da União Brasileira de Escritores-UBE/MS. Escreve para o Jornal Correio do Estado e para a TV WEB Cultura. Premiada em concursos da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

 
 
 
 

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