TALVEZ
queria um verso molhado
que escorresse
nas margens da beleza
& seu umbigo (talvez)
convidasse
minha boca pra regar
seu jardim
beijar seus lábios
esperando que o amor
encharcasse
meu rosto.
SYLVIA
Sylvia, você me deu as costas, semana passada
e eu bebi a imagem das suas escápulas
com tônica e gin
agora faz parte de mim, sua clavícula esquerda
faz greve em meu corpo e impede
meu fígado de trabalhar
sua espinha que rasgou minha garganta, Sylvia
e quando bebo agora, sinto nove gatos
arranhando meus órgãos
eu tentei vomitar, Sylvia, mas as poucas lascas
que saíram nem encheram minhas mãos
(sua falta é impossível de digerir).
EU TENTO
eu quero é gozar
no seu céu
(renascer
no seu fôlego
quente,
nossa saliva, vapor
& nuvens
cruzando no éden,
nossas bocas)
pode ser
no seu inferno
(no segundo círculo,
sua cama, seu morde
& assopra
furacão
de luxúria levando
paixões
arrasadas pelo amor)
enquanto houver espaço,
corpo ou tempo
(eu tento).
MAIS UMA DOSE DE CÓLERA
talvez uma dose a mais de cólera
queimasse caminhos entre
fígado e coração
& as fronteias da memória
tatuadas de cinzas apagassem
a trilha sonora que movia nossos quadris
(som que evaporava
na fumaça do café preto)
ofensas certeiras só são servidas à mesa
de quem se conhece bem
saliva, ódio que só se cospe no prato
de quem se ama
você trabalhava de mais
eu rasgava tempo no balcão do bar
contas acumulavam, cobradores
amanheciam dependurados
em nossa janela
& o papagaio do vizinho trepava
sozinho toda noite imitando meu som
quase tântrico quando você
se enroscava de novo em mim
eu me gabava até olhar no espelho
e enxergar um misantropo infantil
(quando você voltou no último capitulo
e trouxe sua versão da história)
você sempre soube que a verdade estaria
com quem falasse por último.
NASCIMENTO
os postes apagados com medo do parto na rua
a noite escura gelando a espinha da lua
com gotas finas
(chuva de césio 37 mijada por anjos bebês)
derretendo paredes de edifícios feitas de concreto
e corpos de crianças mortas na ditadura
em dezembro explodem no céu rajadas de rojões
comemorando o nascimento do menino-deus
)e apertando o ouvido de um filhote de cachorro(
uma bomba nuclear e um latido suicida
o perfume de seu coração rega o solo, nascem
nas ruas girassóis venenosos, marcando as almas
dos recém nascidos como gado de periferia
bem vindos jovens escravos! admirem o glamour
pela TV o filho do príncipe acaba de nascer.
ELEMENTO
o sol vai lamber tuas costas
antes mesmo do dono da calçada
encharcar tua alma
com banho d’água fria
depois, o rótulo dos invisíveis
vestirá tua carcaça de novo
ninguém fingirá notar teu ronco,
tua noite mal dormida, tua fome,
tua barriga, tua febre & teus abalos
sísmicos, teu suor colorindo o chão
(até as baratas vão desviar de ti)
da janela, eu, covarde, vou ver teu desespero
quando a chuva dissolver como açúcar
tua cama de jornal
sentirei tuas pernas correndo das gotas
geladas, fugindo dos raios & dos trovões,
sem lugar pra ir
e tuas orelhas que não escutarão o som
da cavalaria gritando: – PARADO, ELEMENTO!
PARADO! TÁ CORRENDO POR QUÊ?
“BANG! BANG! SHOOT! SHOOT!”
e, depois do trovão, do céu cairá um raio
no mesmo lugar de sempre,
& sem nome, outra bala perdida
voltará pra casa.
Ilustrações: Angelika Ejtel
Ilustrações: Angelika Ejtel
Valdir Cesar Conejo Júnior, de Mirassol-SP. Mora em São José do Rio Preto-SP. Desenhista, poeta e bêbado sempre que possível. Fez ciências sociais, mas desistiu de dar aulas para ser sempre aluno. Tem poemas publicados no “livro da tribo” e na revista “Subversa, literatura luso-brasileira”.
E-mail: valdircjr@live.com