7 poemas de Valdir Cesar Conejo Júnior



THE PASSANGER II
tudo é tão sublime quanto a morte
sobreviver sem gozar a vida por medo
seguir o rebanho sem pular a cerca
como esperar que o fogo arda eternamente
e que Camões sempre derreta o gelo
“aqui no rebanho não tem lobo
maldita ovelha desgarrada!”
depois de escurecida a lã
a segurança não vale o preço
tampouco pelos donos do pasto, levantar cedo
e doar sangue e suor
e dormir cedo sem cruzar
a fronteira entre o infinito e o medo
só se tem paz onde se é passageiro
como Iggy passageiro pop passa e lê na areia
o que Aragon escreveu nas margens
onde a onda tirou lágrima da rocha
passando sem pedir licença
porque tudo passa
passa pela tua lágrima teu medo
escorre pelo teu rosto pálido
o sal
 toca teus lábios
e vira raiva
passa pelo teu grito tua ira!
tua vida inteira uma farsa
grita! que a verdade é direto teu
como é direito teu a liberdade
e se te cegaram durante o dia
vibra porque existe a noite
faz dela tua companheira mais fiel
vibra porque existe a estrada
e porque tudo nela é metamorfose
ambulante, cantada de um disco voador
por uma mosca poeta bêbada, vibra!
que tudo passa quando se é passageiro
e viver é ser sempre estrangeiro.
O POETA QUE ROUBAVA LIXO
é nessas páginas recicladas
que crio meus poemas
bem alimentados
do que você jogou fora
o que sobrou da merenda
roubada das crianças
jogadas num aterro
clandestino
que você não reclamou
porque não vestiam vermelho
é dos seus restos estragados
das suas almas inocentes
que alimento meus poemas
meus poemas podres
que também servem de alimento
se duvida, corra e olhe o céu
como você acha
que esses urubus ficaram
tão fortes?
POESIA MORNA
minha poesia
na qual quase já queimei
as asas e morri
em queda livre
como Ícaro
em êxtase
imaginando
transar com deus
hoje não ferve
nem a água
do café.
O PÁSSARO PINTOR
(para Jesus Benedito)
veja bem, eu não creio em reencarnações
mas, sei o que aconteceu noite passada
quando eu abri as janelas da sacada
e nem o mais barulhento despertador
poderá dizer que eu estava sonhando
nem os tumores dos artistas de rua
malabaristas dos semáforos que nós
parávamos pra assistir, agora mortos, pulsando
nos buracos do asfalto quente que emergem
como furúnculos na Av. Anísio Haddad
conseguirão me provar a morte de um artista
na precarização do $istema único $aúde
nem as esculturas no alto da basílica
que só os sem fé param para ver as asas
refletindo o sol nas costas da senhora
pobre que vende rosas ilegais na calçada
me dirá que sua arte morreu
nem o sangue que mina dos sapatos
apertados do garoto de rua
e desenha uma cruz de poça no chão
nada vai tirar da minha cabeça
que aquele pássaro gordo e verde
como um periquito palmeirense
que cagou na minha sacada
noite passada, uma rajada que formou
no azulejo odesenho de deus
era você, meu avô.


AOS POBRES DA TRIPULAÇÃO
(para Carol e Mara)
meus motores em chamas mudam a cor do mar
minha proa rasgada por um iceberg de lágrimas
meu coração afundando no mar da indiferença
um titanic partido ao meio
o capitão que chutava oferendas
trancado na sala de comando
pede perdão à Iemanjá
no convés músicos andrógenos expulsos do céu
tocam Sérgio Sampaio para os pobres da tripulação
que não tiveram acesso aos botes salva-vidas
eu vejo um a um saltando em desespero
e torço para que realizem ao menos
um sonho de infância
e voem.
O NATAL DOS RENEGADOS
(para Dió e Marcelo)
o mundo me queria direito
o braço direito do braço direito
esperando que a marca da minha boca
no saco de algum deus rico
rendesse meu lugar no topo da pirâmide
até lá eu comeria as migalhas à cinzas de cigarro
que caíam da mesa principal
fumaria só a ponta babada da baga
e me julgaram radical
quando troquei o feriado dos bandeirantes
pelo dia da consciência negra
e roubei o dinheiro do dízimo da igreja
e comprei cerveja para tomar com os renegados no natal
acharam o cúmulo quando eu disse que não queria
outro show do rei no fim do ano
preferia esperar um Tim Maia que não viria
eu troquei a coroa do rei
por uma seringa usada de Jimi Hendrix
exibida como troféu na minha estante de heróis
que não viraram nomes de rodovias
desejei que os braços direitos
suprassumos da tradição
caíssem em contradição e devorassem suas crenças
como militantes canibais vegetarianos
devoram com gosto uma salada hawaiiana
de plantas carnívoras. 
CANCERIANA SEM LAR
(para Gabriela)
você tirou o misto quente da estante de livros
e o pacote de farinha onde estava escrito
John Fante de caneta bic, colocou na bolsa
deixou boogie naipe no toca discos
que ainda tinha o cheiro do ano do macaco
e saiu atrás de cigarros
em Curitiba…
Rio Preto ficou fria, você deixou
um tubarão branco nadando em meu peito
mastigando meu coração gelado
na minha mesa um desenho
do poeta das sete faces
cantando mil faces de um homem leal
não aceita mais o whisky
e os beija flores alcoólatras no lugar dos urubus
devoram a cirrose do fígado fingidor do Fernando Pessoa
que eu vomitei achando que era
um pedaço do meu coração.
 Ilustrações: Giacomo Balla

Valdir Cesar Conejo Júnior, de Mirassol-SP. Mora em São José do Rio Preto-SP. Desenhista, poeta e bêbado sempre que possível. Fez ciências sociais, mas desistiu de dar aulas para ser sempre aluno.

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