DEU ÁCARO EM ÍCARO
O título acima é um empréstimo descarado de uma publicação da escritora gaúcha, radicada em Campo Grande (MS), Janet Zimmermann vencedora do Prêmio Guavira de Literatura/2017 na categoria poesia. Não apenas acompanho suas publicações como também procuro extrair, ao máximo, o fio de Ariadne de sua poética.
A publicação de Janet não era exatamente como o título deste texto, mas esta: “E deu ácaro no ícaro sem asas”. Instantaneamente pensei nos milhares de exemplares de livros, Brasil a fora, mofando nas estantes, caixas úmidas e prateleiras empoeiradas, quando não, como suporte para escoro de toda natureza. É uma tristeza saber que os livros revelam ensinamentos e caminhos iluminados e são desmerecidos dessa forma.
Ao busílis então. O livro que está sob o mouse do meu computador, servindo a outro propósito, temporariamente, é de autoria do Professor Vasko, o cearense mais sergipano que já conheci. Seu livro, Busílis, publicado em 2015, é um esforço intelectual para presentear adolescentes e jovens. A lexicografia diz que busílis é o cerne da questão ou do problema. E qual seria o problema dos autores brasileiros?
Para muito além de pensar nas dificuldades econômicas na produção de um livro, existe a temida e desafiadora falta de leitores. Escrever um livro apenas para engrossar o mofo e alimentar os ácaros não cumpre a função social da produção do conhecimento. Não há lógica em destruirmos árvores para produzirmos livros para traças devorarem. Seria mais aceitável deixarmos as árvores para a produção de nosso oxigênio.
Confesso que ainda não sei, com precisão, a real intenção da autora, mas a associação à falta de leitores revela-se interessante em uma país que ainda lê pouco, se comparado a outras culturas. Cientes de que a falta de leitores é uma pedra no caminho dos autores, outro questionamento interessante é sobre o tipo de leitura preferido por boa parte dos brasileiros.
Levantamentos recentes apontam para os livros de autoajuda e religião. A partir de tal constatação, erraríamos menos se entendêssemos como uma curiosidade a respeito do suprassensível? Ou, ainda, uma busca consciente para superar a dor de ser humano?
Um verdadeiro labirinto são as certezas humanas sobre o desconhecido. Assim como Dédalo, pai de Ícaro, construímos condições favoráveis não apenas para entrarmos, mas, principalmente para sairmos dos labirintos da vida. Utilizamos, para tal, mapas corroídos, pelo tempo e pelas traças, com informações desencontradas e construídas, em grande parte, para nos manter estáticos.
Uma importante dica para a libertação das amarras de nossas certezas encontra-se nas inumeráveis páginas dos livros produzidos ao longo da história da humanidade. É necessário apenas motivação para apreciá-la, interpretá-la e aplicá-la a uma vida de contemplação e entendimento.
Tire as traças, espante os ácaros, leve seus livros preferidos para o banho de sol e ilumine-se com tamanha satisfação.
Mais do que um jogo de palavras, Ícaro realiza o sonho de voar para longe de sua prisão, o labirinto do Minotauro, assim como nós, de nossa finitude. Não voar perto do sol ou próximo ao mar foram as advertências que o jovem Ícaro ignorou. O desejo de se aproximar do sol foi fatal para sua queda no mar Egeu.
O voo de libertação da ignorância também requer advertências prudentes. Boas leituras, reflexões sobre aquilo que se lê, aplicabilidade no cotidiano são relevantes observações para quem deseja voar livre, leve e solto na imensidão do conhecimento.
Não serão asas de penas e cera ou as paredes deste mundo as responsáveis por nosso movimento limitado, mas a atenção aos ensinamentos duramente materializados nas páginas dos livros.
Duas coisas entendemos como extremamente cruéis: a não compreensão da condição humana e o banquete farto das traças.
|Obra de arte: Chen-Wen Cheng|
ROGÉRIO FERNANDES LEMES nasceu em Amambai, MS, no dia 13 de maio de 1976. Formado em Ciências Sociais. Publicou “Amambai com poesia” (Poemas, 2013); “Subjetividade na pós-modernidade” (Crônicas, 2015); “As aventuras de Nicolas e o robô do espaço” (Literatura infantil, 2017); e, “Palavras amontoadas” (Poemas, 2018). É membro da Academia Douradense de Letras e membro Correspondente da Academia Gloriense de Letras, em Sergipe. Idealizador da Academia Amambaiense de Letras. Atual Vice-Presidente da União Brasileira de Escritores no MS. Criador da Revista Criticartes e da Biblio Editora. Organizador das Antologias Criticartes e da Coletânea Mato Grosso do Sul 40 anos.
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