7 poemas de Franck Santos

 
 
Vórtice

Quis umas tardes com você para caber no mar, quando os portos não tivessem navios, mas pontos de silêncio e solidão.
Umas tardes que nos levasse para onde o vento soprasse, como um vórtice. Um móbile. Pipas.
Nas tardes que quis com você poderíamos vestir nossas roupas brancas. Implodir rochas de corais. Irromper nas superfícies. Deixarmos os vazios que carregamos no abissal.
Quis umas tardes com você para caber no mar. Em alto mar, restaram minhas cinzas como uma anêmona e seus tentáculos.
Você ainda prefere nas tardes o fogo e aquele piano tocando na casa ao lado da sua umas canções que não terminam nun
ca.


Numa tarde de chuva fina
  
Ela quis ipês floridos e vento na copa das árvores
era primavera.
No outono
vinho, viagens e poesias.
Se refugiou no campo e quis lareira, romance e um pouco de melancolia
o inverno não caia bem.
Na hora do sol se por, numa tarde de chuva fina, se afogou no mar
era verão.


Nós dois

 Você, Simone Beauvoir. Eu, Jean Paul Sartre. Em alguma tarde, que não é em Paris. Sob um céu tropical. Que é nosso. E o inferno, nós dois.


Quase amor

Há manhãs que padeço de um amor novo
solícito
sorrisos
café posto
com as camisas dele no varal
seus sapatos pelas salas.
Há tardes que padeço de um amor velho
áspero
gasto
roupas sujas
louças na pia
onde há eu, ele e todo o resto que não se sabe.
Há noites que padeço de um amor tédio
dormindo no quarto
pentelhos
ácaros
cansaço
nenhum sonho.
Há madrugadas que tropeço em móveis
no vazio
insônia
que padeço desse amor
que não bate a minha porta.


Cartão Postal

Um menino e a mãe brincam na praia fazendo castelos de areia no sol da manhã.
No sol da manhã um menino e a mãe brincam na praia fazendo castelos de areia.
Fazendo castelos de areia no sol da manhã a mãe e um menino brincam na praia.
Brincam na praia fazendo castelos de areia no sol da manhã um menino e a mãe.




Água com açúcar
  
Os dias deles eram doces. Melados. Água com açúcar. Um riacho doce. Uma manhã ele enjoou de tanto doce, saiu para comprar sal. Vagando pela casa, esperando o sal que ele não trazia, ela sentiu. O sal era a ausência que ele deixou. Chorou uma salina. Um oceano. Uma tarde, escreveu na geladeira: ‘o doce acabou’. Decidiu: saiu para comprar um.


Souvenir

Naquele tempo que fomos pontos equidistantes nas linhas retas que deveriam nos aproximar, havia sempre uma escala e uma conexão e uma turbulência e algum aeroporto.
Foi um tempo no qual fomos pontos paralelos e os voos e as rotas e os caminhos se cruzavam e por isso abandonamos os mapas com nossas localizações, nossas latitudes e longitudes e nos tornamos linhas imaginárias em algum meridiano.
Naquele tempo os astrônomos anunciaram novas estrelas, planetas, Luas duplas, alguns eclipses; mas não conseguiram identificar no portão de uma casa numa ilha do hemisfério sul, que fui o ponto mais obscuro do universo com meus cinco centímetros mais baixo que você, no dia que me dizia adeus e sumia num entardecer para algum lugar desconhecido.
Nesse outro tempo, sou um ponto brilhante e talvez os mesmos astrônomos me confundam com as luzes da cidade. De você, lembro de uma cicatriz no seu olho direito e tenho entre os guardados como souvenir a caixa preta que foi nosso amor.

Ilustrações: Dan Stefan



Franck Santos, 50 anos, libriano, ilhado em São Luís, escreve para tentar extravasar a solidão e a vontade de colocar uma mochila nas costas e conhecer o mundo. Tem três livros publicados e mesmo assim se intitula um pseudo-escritor.   

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