SEGUNDO MOVIMENTO DO CASULO
Traduz-me. E nem será preciso que me dispas.
Onde falo a tua língua, já estou nua.
- 1.
É um jogo de esconder? Quebra-cabeças sem encaixe?
Um fogo por baixo, subterrâneo, um gesto descolado,
deslocado da fala?
É um pedido, um chamado surdo, gume afiado na espera inútil?
É um ato desnudo onde a saudade goza?
Uma farpa na palma? Um caco na sola?
Um cravo metido no coração?
E é tão breve o tudo e se alarga o nada, se encolhem as palmas, recolhem, escondidas, entre as coxas, submetidas.
não vivem carícia, não moram em lugar nenhum.
Se eu fosse mentira, acreditarias?
Se fosse um jogo, me decifrarias?
Se o gume da espera me ferisse agora,
tu responderias, meu amor?
Será?
2.
Pensei num poema aberto, dilacerado, jorrando lua e água de horizonte sobre teus passos
Que criasse borboletas incendiadas, brasas, infinitude, sereias que cantassem a Habanera.
Imaginei um poema descoberto, costas nuas, pernas tontas.
Uma sangria, um corte. Séquito de estrelas pervertidas,
o canto de trabalho dos estivadores, das lavadeiras.
O canto de liberdade dos escravos.
Um poema que te buscasse dentro dos sapatos, se metesse nos teus bolsos,
sonhasse sob o travesseiro e fosse o vapor dos teus poros e o doce da tua língua.
Mas, o poema me fugiu, por trás da boca.
3.
Fluxo contínuo, um bocado de vida
me escapa pelas pernas, pelos braços,
palmas, dedos, unhas.
É preciso que eu viva essa tristeza
tão intensamente quanto
vivi o amor em que a alegria acreditava.
Porque a tristeza acredita em mim tão ferozmente,
que subjuga toda a vontade
com garras de aspartame e aço
e me diz – solta os nervos.
Deixa que viva de ti até que eu seque.
Ou eu te dilacero e devoro
como um aspecto da morte
devorasse teus lábios-mariposa.
4.
No espaço entre o osso e a saia,
me oferto em chamas.
Me vejo nos teus escuros,archote, raso da noite incendiando o sono.
Nesse vão no meio das costas,
desenhas arabescos de pássaros,
uma centena de musgos,
punhado de rosas amarelas.
Me cobre uma agastada membrana de frio,
quando sinto teus pés num outro rumo,
teu desejo maior de ir embora.
Um cardume poreja no meu ventre,
quando teus dentes se abrem.
E quero sair do medo pela porta dos teus braços.
Apenas tive medo.
Porque não comando a correnteza,
não sou dona do barco, dos fios
que remendam as rosas,
as velas, a costura dos dias.
Ouço, mais uma vez, o som da vida
quando dizes amor na minha língua.
Rosa Maria Mano publicou seu primeiro livro, em São Paulo, uma coletânea de poemas sob o título Fruto Mulher, com outras poetas. Em 1983, Xamã, primeiro livro de poesias, individual. Com capa de ElifasAndreato e prefácio de Antonio Houaiss. Participou da coleção Passe Livre, da Cia. Ed. Nacional, com o título Três Marias e um Cometa. Desta coleção participaram nomes como Pedro Bloch, Helena Silveira, Josué Guimarães, Fausto Wolff, Moacir Scliar, entre outros. Também: O Gato, Conto , 1998, D.O. Leitura, São Paulo; Coletânea Prêmio SESC de Poesia, 2000, Editado pelo SESC, Rio de Janeiro; Vento na Saia, poesia, 2015, eBookAmazon/Kindle; Manuscritos de Areia, 2017, pela Coleção Marianas, Ed. Marianas Edições/Bolsa Livro, Curitiba. Premiada no Concurso de Poesia do SESC, Rio de Janeiro, 1999, tendo A Lua Negra em primeiro lugar na fase municipal (Teresópolis) e segundo na premiação final, na cidade do Rio de Janeiro. Ainda, segundo lugar em Teresópolis com Re(s)cendência, no mesmo concurso. Vencedora do I Concurso de Escrita Criativa, nas três categorias, Editora LiberUm, 2016. Esses poemas pertencem a Lábios–Mariposa a ser lançado nesse ano pela Editora Singularidade