Gaza
 
Sob as sombras da guerra
quantas horas na rasura do cotidiano
disperso de rumos
no rumor das sirenes anunciando os mísseis
Antes da explosão o silêncio
a agonia
no onde toda garganta emudece ao rés do medo
no onde todo corpo tomba ao rés dos instantes letais
Sob a mira de mísseis
o apelo para que deuses acordem de seus sonos lisérgicos
Sob os  escombros
o apelo para que deusas lhes deem  o preciso descanso do luto à sombra de seus mantos
Sob as ruínas
o anseio por algum sinal, algum cântico, algum prenúncio de milagre
Mas não há milagre
Apenas há o tumulto das estações perdidas e o branco do futuro
Crianças  e mulheres sucumbem à fúria bélica dos homens na fenda órfã de paz entre o deserto e o mar
Tudo silencia e se curva diante da morte
Restam os olhos de olhar para o leste
à espera do amanhecer



É preciso cantar os mortos
 
É preciso buscar alguma música dentro da tristeza
e cantar a cidade sem luzes
as casas em chamas
e a névoa ínfina das ausências
 
É preciso cantar a vida
atravessada pelo dardo da guerra
que estremece o céu
fazendo-o cair sobre mulheres
e crianças
 
É preciso cantar o próprio dardo
que atravessa os destinos
 
Cantemos o fúria do bicho
que assombra até a beleza dos crisântemos
jogados sobre  a fenda do chão
que acolhe os mortos
 
Cantemos os mortos e seus nomes
que findam
e deixam um lastro de martírio na história da humanidade
 
É preciso cavar um enorme canto
nas ruínas de Gaza
e dar um acalanto aos que ficaram vivos