Coluna Luís Palma Gomes: O café da manhã

Ilustração: Olga Larina



Quantos cafés já terei tomado pela manhã, durante toda a vida?

Até começar a beber o primeiro, sou apenas um atleta taciturno, a arrastar-se até aos blocos de partida de uma corrida de 400 metros.

Por melhor que seja a literatura, há sensações que não se conseguem descrever. O mais que posso fazer são aproximações — tentativas de traduzir o intraduzível.

Confesso: a única coisa de que sinto falta, quando não acordo em Portugal, é um café forte, cremoso, apaladado.
É sobretudo isso que Portugal vale: a soma de muitas pequenas coisas.

Talvez os outros digam o mesmo dos seus países.

 
Lisboa, 11 de outubro de 2025



Luís Palma Gomes nasceu em Lisboa, em 1967, e cresceu na periferia, em Queluz — entre linhas de comboio, pequenos quintais e o rumor longínquo da cidade. Engenheiro informático de formação, é hoje professor de Informática no ensino secundário. A escrita, porém, sempre lhe correu em paralelo, como um rio subterrâneo. Começou a publicar nos anos 90 no suplemento DN Jovem, onde os primeiros poemas encontraram lugar. Poeta do intervalo e da fricção, escreve a partir do quotidiano, da contemplação das pequenas coisas, dos gestos que passam despercebidos.  Publicou Fronteira em 2022, e O Cálculo das Improbabilidades em 2025, onde aprofunda uma linguagem feita de tensão entre o visível e o indizível, entre a matéria e o símbolo, entre a casa e o mundo. É também autor de peças de teatro, como A Moura e O Último Castro Antes de Roma, onde a memória histórica se cruza com as inquietações humanas. Escreve e ensina jovens, porque precisa de ver crescer alguma coisa — nem que seja uma imagem, uma ideia, uma manhã, uma vontade. Não tem medo da água fria do mar.

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