Namorados e amantes, crônica de Chico Viana com breve ensaio de Geovane Monteiro.

Imagem de Lovers by Marie Rouach (2024)


“O essencial do namoro não está no ponto de chegada, mas nas estratégias que levam a ele. É um caminho pontuado de temores e arrebatamentos, cujo sentido está mais em percorrê-lo do que em atingir o objetivo.”. Esse trecho é o cerne da narrativa – tese de Chico Viana. Pegando de empréstimo o titulo “Pequeno ensaio amoroso”, de Luiza Cantanhêde, o ensaio amoroso em “Namorados e amantes” contempla o noivado entre realidade e fantasia. Sem ceder ao amor platônico, os interesses afetivos aprofundam a intimidade a dois na via da construção, da luta não pelo “corpo explícito”, mas pelo percurso que é o próprio vínculo.
 
O texto lança tintas a três expressões: Os amantes, os ficantes e os namorados.  Os amantes procuram por si mesmos, como numa masturbação, meros orgânicos. Os ficantes são os ultra-amantes no saciar sem busca. Nesse último caso, o hedonismo é tanto mais supersônico quanto menos causal.  Por outro lado, os namorados se somam à sua virilidade; o suspirar põe o percurso maior que o resultado. Por isso, o enamorar sem os fins justificarem os meios, expressão maquiavélica para, comumente, nos referirmos à troca de prazeres sem a parceria. E por que não endossar, ao erótico empreendedor, flutuante, ao narcisismo da cultura de massa.
 
O autor prossegue em seu ensaio: “Sei que estou romantizando, mas não existe namoro sem romantização.”. Diferente do que podemos concluir de imediato ou sem a leitura de “Namorados e amantes”, a romantização dos namorados é o que os distingue das demais modalidades de desejo e prazer. Isto é, a ruptura com o recíproco e lascivo egoísmo, porque amar o que não nos falta é uma só carne no tapete da reflexão. Em outras palavras, o Woodstock pós- digital cedendo lugar ao ser amado de atemporal enigma e espera.
 
Chico Viana, desvela dicção carismática, porém, sem pieguices tão comuns em textos acessíveis e convidativos, em abordagens best sellers. Em tempos de gratuitas e marqueteiras discussões sobre solidão e solitude, Chico Viana arrisca, sem doutrinar, uma haute couture que auxilia, motiva, espiritualiza.

 
Boa leitura:
 
Namorados e amantes
 
Gosto da palavra “namorar”.  É um dos verbos mais puros da língua portuguesa. Mesmo quando por eufemismo designa outra coisa (a ligação entre amantes, por exemplo), “namorar” sugere mais ternura do que desejo. É uma palavra tão embebida em frescor adolescente, que deveria ser proibida aos que se relacionam num nível mais avançado.
 
Os amantes resfolegam; os namorados suspiram. O prazer neles é mais ânsia do que consumação. Os amantes têm um antes e um depois, quando se quebra o encanto. Os namorados vivem num eterno antes, cheio de expectativa e encantamento. Os amantes têm diante de si o corpo explícito, feito carne, aberto na franca exposição da entrega.  Os namorados tateiam no escuro o corpo escondido, espiritualizado, que sonham um dia possuir.        
 
Namorado também não é ficante. O ficante é inimigo de quem ele beija ou apalpa numa intimidade destituída de preâmbulos e promessas. Quer o prazer imediato, e não apenas com um só. Quer a diversidade e o número.  Quanto mais garotas ou garotos houver, melhor, já que nenhum deles conta mesmo por si. Os namorados, se pudessem, construiriam um mundo só para os dois.  
 
Namorado não quer a presa fácil; quer o árduo e delicioso trabalho da conquista, que se dá aos poucos, num crescendo de intimidade.  Quer seduzir, o que só é possível quando o outro opõe resistência pelo que tem de íntimo, inalienável, pessoal. Como no “fica” ninguém resiste, não cabem nele os artifícios da sedução. E sem o trabalho de seduzir não há por que mobilizar a linguagem e escrever cartões, bilhetes, poemas (muitas vezes furtados), na tentativa de dizer ao outro o que se sente. 
 
Um dos problemas dos relacionamentos de hoje é que se namora pouco. Vivemos numa época objetiva, pragmática, em que ninguém quer perder tempo. Na pressa de atingir logo a meta, os parceiros se alheiam do que há de fascinante no percurso.  O essencial do namoro não está no ponto de chegada, mas nas estratégias que levam a ele. É um caminho pontuado de temores e arrebatamentos, cujo sentido está mais em percorrê-lo do que em atingir o objetivo. 
 
Mesmo porque o objetivo nunca é muito claro, já que os namorados vivem um tanto perdidos um no outro.  Faz parte do processo ver o parceiro como enigma e espera. Como possibilidade de alguma coisa que nenhum deles sabe ainda o que é. Sabe apenas que deve aproveitar o momento antes que ele se transforme, e os dois sejam convocados a decidir que destino vão se dar.  Enquanto namoram, o tempo faz seu trabalho, que consiste na lenta e inflexível erosão da fantasia.   Sei que estou romantizando, mas não existe namoro sem romantização.  Por isso ele só acontece entre os que ainda não conhecem bem o mundo. Ou, se o conhecem, preferem ignorar-lhe a feiura e apostar no castelo de sonhos que (eles sabem) muito em breve virará saudade. A saudade dos namorados é a de um tempo em que eles eram outros, menos táticos e frios. E mais capazes de esperança na vida e no amor.



Geovane Fernandes Monteiro, natural de Água Branca, PI, tem formação em Letras – Português e Pós – graduação em Linguística Aplicada, ambas pela UESPI. É autor do livro de contos Paradeiro (2016) e de poesias O exercício do nada (no prelo). Integra várias coletâneas, como Poesia Tremembé (2021), Caçuá – Coletânea de Contos Piauienses (2020) e Antologia de contos bilíngue (português e espanhol) Palavras sem Fronteiras (2016). Junto com o contista e romancista João Pinto, foi fundador do espaço literário virtual Contos entre paisagens (2020 a 2023).




Chico Viana (Francisco José Gomes Correia) é professor aposentado da UFPB e doutor em Teoria da Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em sua tese, publicada com o título de O evangelho da podridão; culpa e melancolia em Augusto dos Anjos, aborda a obra do paraibano com o apoio da psicanálise. Orientou cerca de 37 trabalhos acadêmicos, entre iniciação científica, mestrado e doutorado, e foi por dez anos pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq). Desde muito jovem começou a escrever nos jornais de João Pessoa, havendo mantido coluna semanal em A União e O Norte. É autor de cinco livros de crônicas.
 

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