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Ilustração: Sophia Adalaine Zhou |
A espessa calmaria, espumante e úmida
toma conta do barco quase estagnado.
Nuvens negras, aos poucos, revolvem a embarcação,
que mal se move no mar
estranho.
O que era brisa se torna vento voraz agora é
violento.
E gritos aflitos irritam as ondas
Que se alteiam velozes em torno do nada.
Vagas volumosas fazem daquilo que era quedo,
o medo.
Medra no ar trágicas impressões malignas,
e o tombadilho, antes cheio de molambos
marinheiros, vai-se esvaziando à medida
que o terror da tempestade aumenta
audaz.
A escuridão agora é espessa e lúgubre.
As ondas se movem ao vento ímpio
que desapruma o navio que parece
se encolher entre espumas e chuviscos
gélidos.
Da calmaria faz-se a tormenta,
que aumenta em rajadas imensas
a esbater-se contra o casco frágil,
ante a força das águas que se agitam
intensas.
Aos poucos, tudo roda e se enrosca
num girar louco e duradouro.
A frágil embarcação estala tremores
e acompanha o rodopio do intenso
redemoinho.
Já, não se sabe mais agora
o que é mar e o que é vento,
na rolagem veloz que se instala,
e do claro faz-se o escuro, senão
o negro.
Um sorvedouro imenso se abre
ante as ondas alteadas, e o giro
rompe o casco antes forte e altaneiro.
Gentes choram, gemem e clamam
horrorizadas.
Pouco a pouco suas vozes se somem
nas águas enfurecidas, e o silêncio
das bocas prenunciam o fim medonho.
A velocidade aumenta e a nau
maldita.
some-se no sorvedouro imenso.
Tudo é intenso e bruto.
Em pouco, nada mais há sobre
o mar, que se abre e fecha
tumular.
Finalmente, a paisagem se estanca
e flutuam restos no mar em calma.
Esgotada a força do turbilhão,
não se vê mais nada que lembre o
aturdido
barco branco sobre o azul translúcido.
A calmaria retorna e tudo é pleno
na face do mar. Só o horizonte ainda vermelho
lembra que por ali passou a fúria
De um deus poderoso, em sua busca
insana.
Leopoldo Comitti é poeta, escritor e ensaísta. Cursou Letras e especializou-se em Literatura Brasileira. Tem doutorado em Literatura Comparada e pós-Doutorado em Comparada. Em Curitiba, foi um dos fundadores da Coo-editora, pela qual publicouJornada (contos), e As manhas da Filó (infantil). Foi Professor Adjunto da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), onde, além das atividades de ensino e pesquisa, dedicava-se a oficinas de criação poética. Em Minas Gerais publicou Fundo Falso, seu primeiro livro de poemas. Obteve uma bolsa de escritores da Biblioteca Nacional, em 1999, na categoria de Poesia, com Por Mares Navegados. Foi também premiado, na mesma categoria, no 4º Festival Universitário de Literatura, com Jardim Inóspito.