PAISAGEM DO INSTANTE II
O sol capinava sombras
na extensão das marquises
onde mendigos mascavam
a erva de suas misérias,
no pendulo do relógio o tempo
coava as horas e multiplicava
o calendário das idades,
nos alagados da ribeira o rio
apressado, mostrava seus cardumes
na crina das ondas.
No alto um bando de andorinhas
migrantes, em voos acrobáticos,
riscavam a pele do vento
e nas solas do horizonte
um pássaro solitário perseguia
implacável um arco-íris
e a tarde urinava nos jardins.
A chuva veio na lamina dos relâmpagos
e trouxe a noite, esta com suas litanias
de sombras e langor,
e toda a paisagem do dia
do meu olhar se apagou.
VESTÍGIOS I
Os ventos trazem vestígios
de tua presença na rua
salpicada de sol,
enquanto a tarde prenhe
de pássaros e cantos
desperta o sono dos jardins.
CANTIGA
Quando o outono chegar
e desfolhar todo o arvoredo,
e o sol desfalecer
à hora crepuscular,
apenas uma folha restará
na árvore do tempo: você
e quando o inverno vier
e destruir os últimos canteiros
ainda deixados pela primavera
uma única flor restará no jardim: você
e quando a noite chegar,
e suas sombras caiarem as ruas
fagulhas dos teus olhos
acenderão o lume da lua.
BUCÓLICA
O campo molhado
de sereno matinal
e eu entre as árvores
apascentando rebanhos
de pássaros.
O POETA
O poeta assemelha-se a um pintor
que plasma com cores e sentimentos
a pele abstrata das manhãs.
Imagens: Вика Иванова
JULIO RODRIGUES CORREIA é poeta, escritor, jornalista, formado em Ciências Sociais pela UFAM. Amazonense de Eirunepé, publicou: No Silêncio das Horas, Hora Noturna, Simetria do Silêncio, Poesias e Crônicas Sem Tempo, Crônicas e A Ceia dos Imorais, teatro. Radicado em Fortaleza, Ceará.