Há certos momentos em que tudo em redor conspira para nos desalojar da vida habitual. O destino agarra no passado recente e atira-o para o cesto da roupa, como se fosse uma camisa suja.
Daquelas que a nossa mãe escolhia para levarmos à escola, com uma cor que não gostávamos ou um tecido que arranhava a pele.
Há momentos assim. Às vezes pressentimo-los, outras vezes não. Tudo muda, e pronto. Apaga-se a luz de uma divisão da casa e acende-se a de outra.
Nada podemos fazer, senão aceitarmos as novas presenças e as novas ausências.
Não há como contornar as pregas da vida.
Amadora, 25 de outubro de 2025
Luís Palma Gomes nasceu em Lisboa, em 1967, e cresceu na periferia, em Queluz — entre linhas de comboio, pequenos quintais e o rumor longínquo da cidade. Engenheiro informático de formação, é hoje professor de Informática no ensino secundário. A escrita, porém, sempre lhe correu em paralelo, como um rio subterrâneo. Começou a publicar nos anos 90 no suplemento DN Jovem, onde os primeiros poemas encontraram lugar. Poeta do intervalo e da fricção, escreve a partir do quotidiano, da contemplação das pequenas coisas, dos gestos que passam despercebidos. Publicou Fronteira em 2022, e O Cálculo das Improbabilidades em 2025, onde aprofunda uma linguagem feita de tensão entre o visível e o indizível, entre a matéria e o símbolo, entre a casa e o mundo. É também autor de peças de teatro, como A Moura e O Último Castro Antes de Roma, onde a memória histórica se cruza com as inquietações humanas. Escreve e ensina jovens, porque precisa de ver crescer alguma coisa — nem que seja uma imagem, uma ideia, uma manhã, uma vontade. Não tem medo da água fria do mar.
Respostas de 8
O tempo é terrível como o poeta o conhece bem. Continua a escrever o que os outros não sabem fazer e sentir.
Como sempre é maravilhoso de ler. Uma simplicidade que de nada indiferente, leva a sentir e questiona o leitor.
Como sempre, uma escrita concisa e elegante que nos ilustra com poloroids fragmentos do teu pensamento… parabéns!
Leve, incisivo e sempre com a clareza e realismo que faz falta nestes momentos “estranhos” da nossa sociedade.
Parabéns Professor Miguel! Os seus poemas simples fazem reflectir o que realmente são as nossas vidas.
Poema curto, mas grande no entendimento… Você falou em roupa e lembrei de algo. Esqueci a frase, mas dizia algo como: a vida é como uma saia justa, plissada e curta!
Realmente, não dá para contornar as pregas…
É a vida.
Poesia simples e direta. Constatação.
Excelente, como habitual. Abraço