
A vida acontece lá fora, mas a minha tem-se tornado cada vez mais caseira.
Às vezes, engano-me com a ideia de me retirar para um mosteiro. Uma cela simples, com livros, filmes e um gato, seria suficiente. Não me considero um misantropo, muito pelo contrário.
Sinto que a essência da humanidade já está presente nos livros e filmes. Fora de quatro paredes, o tempo é tão caótico que só consigo viver uma ínfima parte da realidade. Mas sei que esta é apenas uma ilusão.
Afinal, cada pessoa é um livro e um filme. Só precisamos de condições para nos lermos, para nos “desfolharmos” mutuamente.
Perdemos o hábito de nos encontrarmos em cafés. George Steiner escreveu que as verdadeiras fronteiras da Europa se definiam pela existência desses locais. Foi à mesa dos cafés que nasceram grandes movimentos sociais, políticos e artísticos.
Vamos tomar um café?
Lisboa, 13 de setembro de 2025

Luís Palma Gomes nasceu em Lisboa, em 1967, e cresceu na periferia, em Queluz — entre linhas de comboio, pequenos quintais e o rumor longínquo da cidade. Engenheiro informático de formação, é hoje professor de Informática no ensino secundário. A escrita, porém, sempre lhe correu em paralelo, como um rio subterrâneo. Começou a publicar nos anos 90 no suplemento DN Jovem, onde os primeiros poemas encontraram lugar. Poeta do intervalo e da fricção, escreve a partir do quotidiano, da contemplação das pequenas coisas, dos gestos que passam despercebidos. Publicou Fronteira em 2022, e O Cálculo das Improbabilidades em 2025, onde aprofunda uma linguagem feita de tensão entre o visível e o indizível, entre a matéria e o símbolo, entre a casa e o mundo. É também autor de peças de teatro, como A Moura e O Último Castro Antes de Roma, onde a memória histórica se cruza com as inquietações humanas. Escreve e ensina jovens, porque precisa de ver crescer alguma coisa — nem que seja uma imagem, uma ideia, uma manhã, uma vontade. Não tem medo da água fria do mar.