
Ao longe, uma chilreada de estorninhos deleita-nos os ouvidos. Mais perto, cabras roem as cascas rugosas dos troncos de oliveira. As ovelhas aninham-se entre si, como se fossem uma única e terna família.
O sino marca mais uma meia hora.
Porque será que, mesmo contemplando vezes sem conta a mesma paisagem monótona, ela continua a parecer-nos interessante? Talvez porque tudo aquilo que se torna sagrado ganha profundidade — na exata medida em que perde superficialidade.
E só o que é profundo permite o mergulho: essa viagem vertical.
Se continuássemos assim, a olhar com verdadeira atenção, talvez acabássemos por nos maravilhar para sempre com uma simples gota de orvalho.
Salvaterra do Extremo, 30 de agosto de 2024

Luís Palma Gomes nasceu em Lisboa, em 1967, e cresceu na periferia, em Queluz — entre linhas de comboio, pequenos quintais e o rumor longínquo da cidade. Engenheiro informático de formação, é hoje professor de Informática no ensino secundário. A escrita, porém, sempre lhe correu em paralelo, como um rio subterrâneo. Começou a publicar nos anos 90 no suplemento DN Jovem, onde os primeiros poemas encontraram lugar. Poeta do intervalo e da fricção, escreve a partir do quotidiano, da contemplação das pequenas coisas, dos gestos que passam despercebidos. Publicou Fronteira em 2022, e O Cálculo das Improbabilidades em 2025, onde aprofunda uma linguagem feita de tensão entre o visível e o indizível, entre a matéria e o símbolo, entre a casa e o mundo. É também autor de peças de teatro, como A Moura e O Último Castro Antes de Roma, onde a memória histórica se cruza com as inquietações humanas. Escreve e ensina jovens, porque precisa de ver crescer alguma coisa — nem que seja uma imagem, uma ideia, uma manhã, uma vontade. Não tem medo da água fria do mar.