
Foto alterada por Ia no chatgpt
Há um tempo adotei um gato preto, mirrado que até de hipoglicemia sofria. Tratei com todo o carinho e quando o bichinho estava saudável, lindo, morreu atropelado. Fiquei arrasada, mas uma vez uma veterinária me disse que gato nasce com destino traçado e isso foi meu consolo. Sou gateira desde que me conheço por gente. O que me fascina nos gatos é eles não serem capachos e sim nos fazerem de humanos pelegos. Há quem diga que gato nunca foi domesticado.
Depois que meu gato bem tratado se foi abriu vaga para gato preto na casa e pegamos um pobre bichano de 45 dias. Quando fui buscá-lo em uma noite fria, em um bairro duvidoso da periferia, me senti comprando drogas. A moça que tinha marcado comigo em uma esquina, tirou uma coisinha de dentro do casaco e eu enfiei na caixinha de gato sem ter certeza do que era. O bicho até minha casa mudo e eu pensava: Será que isso é mesmo um gato? Será que peguei um morcego achando que era gato? Será que ele tá vivo?
Eis que chego em casa e tiro da caixinha um dos bichanos mais feios com os quais eu já tinha tido contato. Se o gato anterior era mirrado, para esse faltavam adjetivos na língua portuguesa. Pelo opaco, ranhento, remelento, com o hálito podre, mas não tinha asas o que provava não ser um morcego….e tava vivo! Não miou, tentei dar comida, não comia, dei leite “Nan” de gato e ele seguiu mudo. No meio da noite fui ver se ele ainda respirava. No outro dia cedinho levei ao veterinário e constatamos que ele pesava menos de 500 g, tinha um quadro viral e precisava aprender a comer. O veterinário não me pareceu muito otimista, mas sou teimosa. Em dois dias o gato comia, parecia bem melhor, ainda que seguisse remelento e ranhento.
O batizamos de Sushi. Sushi cresceu cheio de mimos, afinal, desculpem as mães de bebês arco-íris, era meu gato bebê arco-íris. Hoje ele já tem mais de um ano, é enorme, tem o pelo mais brilhante da vizinhança, usa uma gravata borboleta vermelha. Um lorde!
Dias desses me peguei pensando que talvez Sushi precisasse de um chá de revelação. Ele tem muitas qualidades, no entanto não sabe que é um gato. Ele só dorme de barriga pra cima estendido como se fosse uma pessoa, tenho fotos dele andando em um carrinho de bebê que minha filha o coloca e o pobre ali fica. No carnaval passado, as crianças fantasiaram Sushi de havaiana e o mesmo não apresentou resistência. Todas as manhãs ele pede colo para meu marido quando senta no escritório para trabalhar. Essa semana fiquei pensando que precisava contar para Sushi que ele é um gato, talvez colocar ele de frente para um espelho, não sei. Mas se pararmos pra pensar, que mal há na ausência de consciência de classe de Sushi frente a da sociedade brasileira? Sushi tem até noção que taxar grandes fortunas não afeta o seu arranhador.

Malvina de Castro Rosa é de Porto Alegre. Escritora, relações públicas e mestra em design estratégico, publicou os livros As loucas aventuras da guria maluca (crônicas, 2013), Paralelos Cruzados (2021), seu primeiro romance, e Crônicas de um fim do mundo antecipado (2023), no qual reúne crônicas do blog semanal que mantém há mais de quatro anos, www.bomdiasociedademachista.blogspot.com. Em 2024, lançou a coletânea de contos Em nós. Atualmente, é editora assistente na Caravana Grupo Editorial, no Brasil, e editora-chefe da Caburé, na Argentina, além de conselheira da revista Vinca Literária.