Na livraria – Alice Queiroz

companhia

 

chego em casa

cansaço nos pés

nada me espera

só o cão invisível

(late do vizinho)

e me exaspera

 

deito na cama

antes de dormir

descalça me vejo

entre mil livros

nas prateleiras

sobre os azulejos

 

e volto para a

minha livraria

desencaminhada

nessas linhas

assim adormeço

em sua companhia

 

movimento

 

vem o cliente

pesquisa e compra

(a mesma presente

expectativa

entre o sim ou não

expectativa

a mesma ausente)

pesquiso e vendo

vai o cliente

 

deslize

 

no baque

do livro

caído

a capa

de ponta-

-cabeça

 

no alívio

do corte

sem marca

ergo-o

e sinto

seu peso

 

afasto

a poeira

invisível

e penso

no caminho

inverso

 

no livro

caindo

no chão

culpando

meus dedos

cansados

 

a separar

o papel

do piso

a recolher

o tesouro

da terra

 

o saber

impresso

em tinta

um deslize

e cria-se

o verso

 

 

Intervalo

 

No fundo do copo

o resto do café

reflete meu rosto

sem fé

 

o gesto no espelho

espalha esse gosto

de findo desejo

um oco

 

e a boca amarga

despeja no ralo

o rastro do sonho

desgosto

 

humor

 

em um dia certo

atender o cliente

de rosto aberto

mas no dia errado

fechá-lo como

um livro raro

que se nega

Gerente

               para Maria Antônia
Pavan

 

na dobra

da folha

uma ruga

na testa

da gerente

 

um toque

dos dedos

dobrados

muito finos

na lombada

 

no acerto

do caixa

um sorriso

incontido

no lábio

 

um aceno

de cabeça

ao término

desse dia

na livraria

 

 


na livraria

 

as horas que dobram

depressa como olhos

a correr pelos títulos

 

dispersas feito dedos

nas lombadas em fila

as horas despercebidas

 

são folhas não lidas

e ao fechar do dia

como página virada

 

sob a cortina de ferro

eu percebo aflita:

não li nenhum livro

 

Ilustrações:  devianART

 

 

Alice Queiroz nasceu em São Paulo, se formou bacharela em Letras pela USP e trabalhou nas livrarias da editora unesp e na Martins Fontes Paulista. Publicou poesia e prosa na revista eletrônica germina e foi selecionada, com outros 21 autores, para integrar a edição #6 da RevistaRia. Participou também da antologia poética Clausura (Lobo Azul, 2020). Entre as leituras e o trabalho, aproveita para editar seus poemas em um livro inédito, o qual sonha ver publicado no ano que vem.

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