O olho e a mão (de Ana Marques Gastão e Sérgio Nazar David) é um livro de diálogo entre poesia e pintura. Das dezesseis telas às quais os poetas se lançam, recriando-as, cinco são de pintores portugueses e brasileiros (Columbano, Paula Rego, Anita Malfatti, Guignard e Ana Hatherly). É também um livro de encontro de uma poeta portuguesa com um poeta brasileiro, sobre o solo fecundo da nossa língua portuguesa e das nossas raízes culturais comuns.
O livro foi lançado em 2018 pela 7Letras, com o apoio do Ministério da Cultura de Portugal e de Cinelândia Produções.
Trecho da “orelha” de Maria Lúcia Dal Farra:
“Quando o olho se apodera da mão poliglota – que abecedário é esse que ela apalpa e reinventa para inscrevê-lo?
Neste livro a dois, Ana e Sérgio (com igual voragem e lucidez) atacam, à maneira baudelaireana da esgrima, mão direita e esquerda ambidestras (ou ambas canhestras como as de Miró), a mesma tela – que se rende e se dá a ler como outra e outra coisa: como um igual do diferente.
É da antiga linhagem da ekphrasis (do Bildgedicht) que se trata? Só se contarmos com a insídia do objeto, que está ali de atalaia apenas para assegurar (na tradição mantida por Magritte) que aquela “pipe” não é “une pipe”, ou (com Herberto) que só se captura (e em provisório) o peixe encarnado-negro ao assentá-lo… amarelo. Se quisermos ser fiéis, devemos antecipar a prestidigitação do real. Reparem como a tela nos olha, expectante!
Vegetação muda, sarcófago inquieto, ortografia danosa, eternidade longínqua – o quadro é o convite hostil que nos acena com o erro do acerto. Postamo-nos diante dele para produzirmos mais enigmas do que supõe o seu vão hermetismo, para assombrarmos com nossos olhos as suas reverberações. Elucubramos, elegemos (dele) a sombra, botamos em descalabro a sua íntima geometria. Criamos (diante dele e nele) a nossa própria e fervente carne – a nossa língua. Também a sua?!
O “oculto é o nada, ao redor/ do qual o artista pinta (ou escreve)” – partilha conosco a experiência deste livro. Por isso a figura não combina, o que está ali não está (estando ao mesmo tempo para o milagre de todas as coisas), o retrato não se conforma, a biografia se ultrapassa, o título derrapa e abandona a tela ou a insere duma só vez em suas tripas.”