Palavras azuis – Guido Viaro

Ilustração: Christine Barth Mroz


Palavras azuis,
Nascidas de um céu sem fundo.
                        
Porta do mundo:
Bem-Vindos.
 
Noites, espaços, suspiros.
Dúvida dissolvida entre os dias

O espelho, a imagem, a consciência,
Os olhos mirando o eterno.
 
Depois baixando sobre a terra,
Desilusão em forma de torrões.
 
No meio de tudo a linha do horizonte.
Para onde o homem, após mirar estrelas e terra,
Posiciona seus olhos.
 
Um equilíbrio sem alicerces,
Angústia da nova busca,
Desilusão, esquecimento e ambição.
 
Fases dos olhos e da alma.
Ansiedade fatal, conformidade vital.
O tempo encravado em cada célula.

Expandindo estragos, construindo urgências,
Dividindo homens em dois, doze, quarenta e oito.
Para que outros possam duvidar e desistir.

Enquanto aquele que é, o que percebe, revolta-se,
Para então se conformar.
Seu destino é ser outros.
 
Engolir a ração dos dias,
Para se transformar em excremento,
Que servirá de adubo para novos nascimentos.
 
Nesse instante, enquanto ainda pergunta,
O Ser, em forma humana,
Tenta decifrar os sentidos do existir.
 
Entristecido por saber que seus maiores tesouros
Servirão apenas como lenha,
Para alimentar o fogo reprodutivo.
 
Dúvidas sem respostas.
E outras nascidas desse mesmo esforço.
 
A falta de sentido se espalhando
Por todo o campo de percepção.
 
Ou o sentido não existe,
Ou o que se oferece como resposta é palha ao fogo.
 
O homem consciente se percebe entre a mentira e o nada.
 
Há os iludidos,
Cantos sedutores, promessas vãs.
 
Há os que mergulham na margem oposta do rio,
Preferem as águas escuras do aniquilamento.
 
Há os que observaram os dois grupos.
Engoliram em seco as dores do mundo.
E deixaram seus olhos serem atravessados
Por toda a água que já existiu.
 
Então voltam suas órbitas vazias para o alto,
E sem perceber o azul,
Extraem dele palavras dessa cor.
 
Palavras com as quais construirão um universo inteiro.


Guido Viaro é um escritor curitibano nascido em 1968, é membro da Academia Paranaense de Letras e autor, entre outros, do livro O Cubo Mágico, prêmio Biblioteca Digital 2020.                                                                        

Uma resposta

  1. ‘Palavras azuis’ é o nome de um poema que não aguarda nomes ao que dor e prazer são cores do céu. O indivíduo no ‘equilíbrio sem alicerces’ se tinge de azul sempre outro ele mesmo, como nuvens mostrando e escondendo o céu. Nuvens, astros se submetendo. Assim o infindo espetáculo de ser. Todas estas minhas ligeiras impressões de leitor daltônico se esticam, falham, resistem no poema orgulhoso, provocável, inocente. De imediato, lembrei Mário de Andrade na sua fase ‘mística – pedagógica’ e de Dickson na sua poética gozando a própria isenção para deixar dizerem do espaço – tempo. Outros leitores, nos seus azuis, encontrarão o que a boa poesia não obscurece de céus cinzentos. ‘Palavras azuis‘ nos permite correr todos os riscos de nosso ser subsequente. O poema deixa tudo que segue de migrações terrenas, porque, nosso destino é azul, ‘é ser outros’.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *